A
minha tia, irmã do meu pai, fazia anos no dia internacional da
felicidade, e ela própria era o retrato da felicidade. Só nos
últimos tempos o reconheci, no entanto. Ela não me era assim tão
próxima; apesar de, tal como eu, ter nascido em São Miguel, vivia
na ilha da Madeira e só cá vinha de vez em quando. Apenas
recentemente passou a vir cá mais vezes. A partir daí, passou a ser
comum encontrarmo-nos, e foi nesses poucos encontros que vi que era
feliz.
Sempre
bem-disposta e sorridente, a irradiar boas energias, a rir e a contar
histórias engraçadas; assim esteve ela durante as vezes em que cá
veio e a encontrei, e é assim que me lembrarei dela. Comprou uma
casinha aqui em São Miguel, antiga e pequenina com um terraço. Era
super fofinha e tão bem decorada, com um estilo meio vintage
que eu adorei; o terraço tinha uma vista deslumbrante sobre o verde
e o mar; ela tinha uma cadelinha tão gira que nunca parava quieta,
estava a aprender crochet e estava a construir um pequeno jardim por
trás da casa, com flores e uma cama de rede. Lembro-me tão bem da
última vez em que lá estive: tinha ido almoçar com o meu pai e,
depois, parámos lá para tomarmos um café juntos – e foi aí que
eu conheci a cadelinha e que a minha tia nos mostrou o jardim em
construção. Lembro-me de uma outra vez em que lá fui jantar, e as
horas à volta da mesa foram preenchidas por dezenas de histórias
engraçadas contadas por ela, o meu pai e o meu tio. Eu achava-a
feliz, e sempre que estava com ela ou quando ia àquela casinha
acolhedora pensava no quanto queria ser assim, sem grandes
preocupações e sem dramas, a fazer aquilo de que mais gosto, a ter
a minha própria casa pequenina e fofinha, a ser feliz estando por
minha conta. Dito de outra forma, ela dava-me uma certa esperança.
Esperança de que também eu poderia ser feliz. Dito ainda de outra
forma, era como uma inspiração.
Ainda
antes da tristeza da sua partida me invadir, a primeira coisa que
senti foi choque. Por ter sido tão rápido e tão súbito, sem
ninguém estar à espera – a morte pode chegar sem aviso. Por ela
ser ainda tão nova e por não ter nenhum problema de saúde aparente
ou que se soubesse – a morte pode chegar a qualquer um. E, por fim,
por ela ser feliz. Há pessoas infelizes, pessoas que já nem têm
consciência de estarem neste mundo, pessoas em sofrimento, pessoas
que já estão mortas por dentro. Muitas delas ainda cá estão. Já
a minha tia, que era feliz e cuja vida parecia cada vez melhor,
partiu de repente.
Mas
lembrar-me-ei sempre da inspiração e da esperança que me dava, sem
ela sequer saber. E espero lembrar-me sempre disto nos dias mais
sombrios, como se se tratasse de um raio de sol a abrir caminho pelo
negrume.