29/04/20

Diários da quarentena #3 - A produtividade e as pequenas coisas


Na última publicação da série Diários da quarentena, em que falei acerca de se agradecer, referi que uma das coisas pelas quais estou grata neste período de isolamento é a tecnologia. No entanto, esta mesma tecnologia, que adoramos por nos manter todos juntos mesmo que separados, consegue ser uma faca de dois gumes, em particular no que diz respeito às redes sociais. Se, por um lado, a partilha de conteúdo pode inspirar-me e motivar-me e fazer-me pensar positivo, pode, por outro lado, deixar-me cheia de stress e de ansiedade. E tudo isto devido à questão da produtividade.

Parece que muitas pessoas estão a encarar este período como um tempo para serem mais produtivas do que nunca. Claro que é bom que se mantenham ocupadas e entretidas em casa, que descubram novas coisas que gostem de fazer ou que façam coisas que já não faziam há muito tempo. Mas vê-las a fazer tanta coisa, como, por exemplo, a fazer tanto exercício físico todos os dias, a cozinhar imensas coisas diferentes ou a criar tanta coisa nova em tão pouco tempo – e a gabarem-se por isso, ao que parece –, acaba por me deixar stressada e desnorteada. Eu pergunto-me se essas pessoas não param, e até me pergunto se fazem o que fazem por gosto e em prol do seu bem-estar ou se apenas para mostrar aos outros o quão produtivas estão a ser nestes dias. Seja como for, às vezes isto só me deixa stressada, em vez de me inspirar e motivar a ser produtiva – e, por isso, sinto-me bem melhor quando me desligo durante horas das redes.

Até porque a questão é: não temos que ser produtivos. Isto é uma pandemia, e não uma competição de produtividade. Não é para ver quem faz mais coisas em menos tempo, ou quem cria mais projectos ou conteúdo. Se antes de tudo isto já nos era dito que não precisamos de ser produtivos o tempo todo e que também temos que descansar, então não faz sentido que as coisas sejam diferentes agora.

28/04/20

Diários da quarentena #2 - Gratidão

No início deste ano, comecei um ritual. Peguei num pequeno caderno que estava abandonado a um canto, todo em branco, e tornei-o no meu diário da gratidão. Todas as noites, salvo aquelas em que estou terrivelmente cansada ou com uma dor de cabeça que não me permite fazer nada, escrevo sobre as coisas boas daquele dia, aquilo que fiz e coisas pelas quais estou grata. Ou, caso tenha sido um dia pior, escrevo algum pensamento ou o que estou a sentir.

Muito se fala sobre o poder da gratidão, como o facto de elevar a nossa frequência energética ou o facto de nos tornar mais positivos, atentos, conscientes. Confesso que não acreditava em nada destas coisas; achava que era tudo treta e passei, aliás, anos e anos sem acreditar nestas coisas que não se vêem, como energias e forças superiores. Nem sei bem de que forma o meu mindset mudou e virou um pouco do avesso. Talvez por eu própria ter ficado virada do avesso e já não saber mais em que acreditar, achando que não teria nada a perder se desse a estas “filosofias” uma oportunidade.

Até me senti estranha no início, ridícula, até, quando comecei a escrever o tal diário. No entanto, tem sido um exercício muito interessante. Sempre fui uma pessoa negativa; era-me muito difícil ser positiva e ver um lado positivo nas coisas. Mas este ritual tem-me ajudado a focar-me nas coisas boas e a dar-lhes valor, especialmente a coisas que costumamos tomar como garantidas.

Pode parecer ridículo dizer-se, por exemplo, que estou grata por poder exercitar o meu corpo, por ter tido a possibilidade de estar à beira-mar e ver o pôr-do-sol, ou por ter tido um dia de trabalho. A mim também me parecia estranho, mas, agora, é-me natural. Porque, se pensarmos bem, não são todas as pessoas que têm um corpo saudável e que podem movê-lo e fazer exercício; não são todas as pessoas que podem ir almoçar fora e que podem ver o mar todos os dias; e há muitas pessoas sem trabalho, que não têm, sequer, a hipótese de, como eu, fazer pequenos trabalhos de vez em quando. Por isso, estas coisas tão “parvas” e tão “banais” para alguns podem ser, na verdade, privilégios.

23/04/20

Trono de Vidro, de Sarah J. Maas


Sinopse: Numa terra em que a magia foi banida e em que o rei governa com mão de ferro, uma assassina é chamada ao castelo. Ela vai, não para matar o rei, mas para conquistara sua própria liberdade. Se derrotar os vinte e três oponentes em competição, será libertada da prisão para servir a Coroa com o estatuto de campeão do rei - o assassino do rei. O seu nome é Celaena Sardothien. O príncipe herdeiro vai provocá-la. O capitão da Guarda vai protegê-la. Mas um halo maléfico vagueia no castelo de vidro - e está lá para matar. Quando os seus concorrentes começam a morrer um a um, a luta de Celaena pela liberdade torna-se numa luta pela sobrevivência e numa jornada inesperada para expor um mal antes de que este destrua o seu mundo.

Li este livro de uma assentada e era sempre muito difícil parar. Já há algum tempo que um livro não me agarrava dessa maneira. Achei-o altamente viciante. Tanto o enredo como as personagens são tão cativantes e interessantes.

Sabem aquela frase que se diz, I have this thing with…? Pois bem, no que toca a livros, eu tenho uma thing com enredos inseridos numa época algo medieval, onde existem castelos e reis, onde se fazem aqueles jogos de alianças pelo poder e pela conquista de terras e construção de impérios; com aquelas intrigas típicas da vida na corte, enredos da realeza, os bailes e tudo mais. Acho verdadeiramente encantador e fascina-me mais do que mundos futuristas e distópicos – embora também goste deles. É verdade que estes não são os aspectos centrais da história, mas fazem parte dela. Para além disso, tenho também uma thing com livros com mapas, algo que também está incluído neste.

Através da sinopse, acho que se torna fácil perceber o desfecho da competição, mas isto não torna o livro em algo cliché, previsível e aborrecido. Muito pelo contrário. Apesar de a competição ser o foco central, há tanto mais a entrar em cena e a enriquecer de forma maravilhosa esta história. Até porque várias das provas da referida competição nem sequer são descritas, sendo apenas feita uma breve referência, o que, na minha opinião, contribuiu para uma leitura mais fluida e interessante e menos maçadora. Assim, para além da competição, temos também a questão do mal que vagueia pelo castelo, um mistério em lugares secretos desse mesmo castelo e as riquíssimas interacções entre as personagens: as intrigas, as desconfianças, as amizades que se vão construindo e, como não podia deixar de ser, uma pitada de romance.

As personagens estão tão bem construídas, e o mesmo se pode dizer das relações e interacções entre elas: nada parece irreal ou forçado. O livro é narrado na perspectiva não só de Celaena, a protagonista, como também na de outras personagens. É algo que eu também adoro nos livros – outro aspecto pelos quais tenho uma thing –, pois acho que os enriquece muito mais e, graças a isso, passamos a conhecer melhor as outras personagens, chegando, até, a criar empatia por elas.

21/04/20

Diários da quarentena #1 - O que estou a sentir

Como disse há algumas publicações atrás, não me está a custar estar em casa e em isolamento. Sou uma pessoa introvertida – sempre o fui, não me tornei introvertida de um momento para o outro só porque isso passou a ser “moda” –, e evito pessoas e multidões e mantenho-me isolada desde sempre. É verdade que sinto falta do R., de poder sair e de passear, mas tenho estado bem. Estar em casa sempre foi normal para mim, e viver num ritmo desacelerado e um dia de cada vez e criar novas rotinas também acabou por se tornar mais ou menos normal antes de tudo isto começar, infelizmente. Digo infelizmente, porque comecei a habituar-me a viver assim devido a um mau motivo: o facto de estar desempregada é que me “forçou” a ver as coisas desta forma. Por isso, tenho estado bem, e este período não me parece assim tão “novo”, nem aborrecido, nem gerador de ansiedade.

Mas eu não deixo de achar tão estranha esta minha forma tão calma e tranquila de lidar com este período de isolamento. Isto porque tenho visto relatos de pessoas que andam muito ansiosas, que choram, que nem sabem bem o que sentir e o que estão a sentir neste período. É claro que cada um lida de forma diferente, mas a minha forma de lidar com isto parece-me demasiado estranha. A ansiedade que eu, por vezes, sinto, manifesta-se quando eu começo a pensar no futuro. No depois. Porque eu começo a pensar que, quando as coisas começarem a acalmar e uma certa normalidade começar a instalar-se, vou ter que voltar à questão do trabalho. O campo profissional sempre foi um grande motivo de ansiedade, de stress e de preocupação para mim, não só agora mas desde há muitos anos, ainda antes de ir para o secundário. Saber que, por estar desempregada, vou ter que começar por algum lado, abrir actividade, começar algo novo do zero, e ter constantemente esta sensação de que posso estar a ir pelo caminho errado, causam-me uma enorme ansiedade. Por isso, sempre que estes pensamentos começam a espreitar e a fazer-me comichão, eu faço um esforço para ignorá-los, para que não estraguem o meu dia. E tudo isto, e não a questão do isolamento e de estar “presa” em casa, é que me causa ansiedade. Como já causa há muito tempo.

Mas confesso que, ao início, isto do isolamento estava a chatear-me, e esta questão do trabalho era uma das razões. Perguntava-me E agora? Vou começar quando? e dizia a mim própria que, se calhar, já devia ter começado. Chateou-me o facto de ter pensado que 2020 ia ser um grande ano, que eu estava finalmente mais optimista, que tinha tantos planos, e, no fim, acabou por não ser “o ano” de ninguém. Tinha comprado uma agenda toda gira e enorme, cheia de espaço para escrever, que, a meados de Março, acabou por ficar com diversas páginas em branco. Tinha escolhido este ano para fazer o meu diário de gratidão, achando que seria um ano incrível, e olha que belo ano este acabou por ser.


04/04/20

Março

Se eu achava que Fevereiro tinha sido estranho, então o que dizer de Março? Logo Março. O meu mês de aniversário e um mês em que tinha tanta coisa pensada. Estava mesmo a contar que fosse um mês interessante.

Começou de uma forma um bocado triste e desanimadora, em parte devido ao facto de estar prestes a fazer anos. Na manhã do meu aniversário, que foi nos inícios do mês, acordei triste, deixei-me ficar na cama e só queria ficar sozinha, até porque não tinha nada planeado. Estava triste porque mais um ano se tinha passado e tudo continuava mais ou menos na mesma. Porque os anos parecem apenas passar por mim e eu só assisto.

Mas lá ganhei forças para me levantar, para me vestir e para sair de casa, mesmo em baixo. Fui almoçar com o meu pai a um dos meus restaurantes favoritos, à beira-mar, na esplanada. O dia estava tão bonito, a comida deliciosa como sempre, aquela vista fantástica sobre o mar, e eu comecei a animar-me. Recebi bons presentes. Depois, acabei por ir jantar fora também, desta vez com a minha mãe. Uns tios meus também nos acompanharam, sem eu ter estado à espera. Fomos a outro dos meus restaurantes favoritos e foi bastante agradável. Não tive bolo de aniversário, porque eu própria não o quis; aliás, não quis fazer a tradicional festa em casa com a família, pois não estava mesmo com espírito e vontade para tal. Em vez de bolo, comi um delicioso brownie com uma bola de gelado de After Eight como sobremesa, que me soube pela vida. No dia a seguir, jantei com o R., que me preparou um jantar romântico à luz de velas – e aí acabei por ter bolo! Não estava mesmo nada à espera – presumi que jantaríamos num restaurante – e soube tão bem, achei um gesto tão querido e senti-me tão grata e feliz. Depois de tudo isto, achei que tinha sido mesmo tola por ter acordado tão triste no meu dia de anos.