28/04/20

Diários da quarentena #2 - Gratidão

No início deste ano, comecei um ritual. Peguei num pequeno caderno que estava abandonado a um canto, todo em branco, e tornei-o no meu diário da gratidão. Todas as noites, salvo aquelas em que estou terrivelmente cansada ou com uma dor de cabeça que não me permite fazer nada, escrevo sobre as coisas boas daquele dia, aquilo que fiz e coisas pelas quais estou grata. Ou, caso tenha sido um dia pior, escrevo algum pensamento ou o que estou a sentir.

Muito se fala sobre o poder da gratidão, como o facto de elevar a nossa frequência energética ou o facto de nos tornar mais positivos, atentos, conscientes. Confesso que não acreditava em nada destas coisas; achava que era tudo treta e passei, aliás, anos e anos sem acreditar nestas coisas que não se vêem, como energias e forças superiores. Nem sei bem de que forma o meu mindset mudou e virou um pouco do avesso. Talvez por eu própria ter ficado virada do avesso e já não saber mais em que acreditar, achando que não teria nada a perder se desse a estas “filosofias” uma oportunidade.

Até me senti estranha no início, ridícula, até, quando comecei a escrever o tal diário. No entanto, tem sido um exercício muito interessante. Sempre fui uma pessoa negativa; era-me muito difícil ser positiva e ver um lado positivo nas coisas. Mas este ritual tem-me ajudado a focar-me nas coisas boas e a dar-lhes valor, especialmente a coisas que costumamos tomar como garantidas.

Pode parecer ridículo dizer-se, por exemplo, que estou grata por poder exercitar o meu corpo, por ter tido a possibilidade de estar à beira-mar e ver o pôr-do-sol, ou por ter tido um dia de trabalho. A mim também me parecia estranho, mas, agora, é-me natural. Porque, se pensarmos bem, não são todas as pessoas que têm um corpo saudável e que podem movê-lo e fazer exercício; não são todas as pessoas que podem ir almoçar fora e que podem ver o mar todos os dias; e há muitas pessoas sem trabalho, que não têm, sequer, a hipótese de, como eu, fazer pequenos trabalhos de vez em quando. Por isso, estas coisas tão “parvas” e tão “banais” para alguns podem ser, na verdade, privilégios.



Ao tomar mais consciência destes aspectos tão banais do dia-a-dia, e que, por serem tão banais, não lhes damos o devido valor muitas das vezes, tornou-se inevitável começar a dar um especial valor a determinadas coisas durante este período de isolamento. Agora, todas as noites, eu agradeço pela saúde e pelo facto de estar bem. Agradeço por estar em casa, quando muitas pessoas não têm essa possibilidade e têm que ir trabalhar na mesma, pondo as suas vidas em risco. Agradeço, aliás, por ter uma casa, em especial uma casa onde eu adoro estar, onde me sinto segura e confortável. Agradeço por ter água quente à disposição e comida na mesa todos os dias; por não me faltar nada. Agradeço o amor e as pessoas que tenho comigo, mesmo estando elas fisicamente longe; agradeço por estarem bem, por continuarem comigo, por saber que estarão à minha espera para um abraço quando tudo isto passar. Agradeço a todas as pessoas que continuam a trabalhar, e não só aos profissionais de saúde – é que, quer dizer, quantas e quantas vezes não demos a devida importância àqueles que trabalham atrás de balcões ou em caixas do supermercado?

Agradeço pela arte, que se tornou imprescindível neste período. Para mim, é impensável um mundo sem música, sem literatura, sem cinema, enfim, sem toda e qualquer forma de arte. E, neste período em especial, a arte tem sido fundamental. No mínimo, ajuda-nos a passar o tempo, mantém-nos entretidos e faz-nos companhia. Mas a arte é, para mim, muito mais do que isso: dá-me força, ânimo, conforto, motivação, inspira-me a fazer mais e melhor, faz-me sonhar. É como um bocadinho de magia nesta realidade que se tornou terrível; umas pequenas centelhas luminosas no negrume em que o mundo mergulhou. Encontro tudo isto nas palavras de bloggers e das pessoas que sigo no Instagram, nos desenhos que essas pessoas fazem, nos livros e na música, especialmente nas músicas novas que continuam a ser lançadas e partilhadas nestas circunstâncias. E o acto de criar – no meu caso, desenhar e escrever – também tem sido óptimo para mim, pois, para além de me manter entretida e de me divertir, motiva-me a fazer mais e melhor e ajuda-me a manter a minha sanidade neste período mais louco.

Por fim, agradeço pela tecnologia, por nos manter próximos, mesmo que estejamos fisicamente distantes. É que imaginemos que isto teria acontecido há quinze anos ou mais, quando não havia smartphones ou videochamadas e tínhamos um número limitado de mensagens por mês e um limite de X minutos gratuitos de chamadas… Mas, em relação à tecnologia, não é apenas esta questão de se poder manter o contacto e a proximidade; é também a partilha de mensagens positivas e inspiradoras e a criação de uma corrente de optimismo, motivação e esperança, como se puxássemos uns pelos outros.

Eu acho que não teria dado tanto valor e tanta importância a estas e a várias outras coisas se não fosse “obrigada” a pensar nisto todas as noites, no silêncio, imediatamente antes de dormir. É um exercício que me tem ajudado bastante. Não apenas a focar-me no positivo e a valorizar estas coisas aparentemente básicas e comuns, mas também a fazer com que me sinta melhor. Começo, de facto, a sentir-me algo positiva e a ver as coisas por outra perspectiva, sob um prisma de optimismo. Como com um novo olhar. Achava uma parvoíce agradecer, até porque a primeira coisa que me vinha à mente era Agradecer a quem?, pois remetia-me logo para a religião, quando eu própria não me considero seguidora ou praticante de seja o que for. Mas agora vejo que isto não se trata de religiosidade ou espiritualidades nem nada que se lhe pareça. É, antes, uma forma de ver as coisas, quase uma maneira de pensar ou de estar. Mas é claro que, quem quiser, pode escolher agradecer a um qualquer deus. Eu cá prefiro o conceito de universo.

Seja como for, achava uma grande parvoíce, sobretudo nos primeiros dias em que escrevi. Mas, agora, é algo que sai naturalmente quando pego na caneta e no caderninho. Agora, acredito em como pode ser benéfico e poderoso. 

2 comentários:

  1. É uma óptima ideia! Um dia tenho de experimentar e assim tenho um bom motivo para comprar um caderno fofinho ahah

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