Como disse há algumas
publicações atrás, não me está a custar estar em casa e em isolamento. Sou uma
pessoa introvertida – sempre o fui, não me tornei introvertida de um momento
para o outro só porque isso passou a ser “moda” –, e evito pessoas e multidões
e mantenho-me isolada desde sempre. É verdade que sinto falta do R., de poder
sair e de passear, mas tenho estado bem. Estar em casa sempre foi normal para
mim, e viver num ritmo desacelerado e um dia de cada vez e criar novas rotinas
também acabou por se tornar mais ou menos normal antes de tudo isto começar,
infelizmente. Digo infelizmente,
porque comecei a habituar-me a viver assim devido a um mau motivo: o facto de
estar desempregada é que me “forçou” a ver as coisas desta forma. Por isso, tenho
estado bem, e este período não me parece assim tão “novo”, nem aborrecido, nem
gerador de ansiedade.
Mas eu não deixo de achar tão
estranha esta minha forma tão calma e tranquila de lidar com este período de
isolamento. Isto porque tenho visto relatos de pessoas que andam muito
ansiosas, que choram, que nem sabem bem o que sentir e o que estão a sentir
neste período. É claro que cada um lida de forma diferente, mas a minha forma
de lidar com isto parece-me demasiado estranha. A ansiedade que eu, por vezes,
sinto, manifesta-se quando eu começo a pensar no futuro. No depois. Porque eu começo a pensar que,
quando as coisas começarem a acalmar e uma certa normalidade começar a
instalar-se, vou ter que voltar à questão do trabalho. O campo profissional
sempre foi um grande motivo de ansiedade, de stress e de preocupação para mim,
não só agora mas desde há muitos anos, ainda antes de ir para o secundário.
Saber que, por estar desempregada, vou ter que começar por algum lado, abrir
actividade, começar algo novo do zero, e ter constantemente esta sensação de
que posso estar a ir pelo caminho errado, causam-me uma enorme ansiedade. Por
isso, sempre que estes pensamentos começam a espreitar e a fazer-me comichão,
eu faço um esforço para ignorá-los, para que não estraguem o meu dia. E tudo
isto, e não a questão do isolamento e de estar “presa” em casa, é que me causa
ansiedade. Como já causa há muito tempo.
Mas confesso que, ao início,
isto do isolamento estava a chatear-me, e esta questão do trabalho era uma das
razões. Perguntava-me E agora? Vou
começar quando? e dizia a mim própria que, se calhar, já devia ter
começado. Chateou-me o facto de ter pensado que 2020 ia ser um grande ano, que
eu estava finalmente mais optimista, que tinha tantos planos, e, no fim, acabou
por não ser “o ano” de ninguém. Tinha comprado uma agenda toda gira e enorme, cheia de espaço para escrever, que, a
meados de Março, acabou por ficar com diversas páginas em branco. Tinha
escolhido este ano para fazer o meu diário de gratidão, achando que seria um
ano incrível, e olha que belo ano este acabou por ser.
No entanto, continuei – e
ainda continuo – a escrever esse diário, até porque, devido a tudo isto,
comecei a dar valor e a agradecer por coisas às quais não dava tanto crédito
antes. E, em relação à agenda, voltou a ficar preenchida. Agora uso-a para
planear os meus dias. Aqui, em casa, tenho sempre algo para fazer e algo com
que me entreter, o que também me ajuda bastante em termos psicológicos. Mas
falarei mais sobre este aspecto numa futura publicação.
Assim tenho andado por mais de
um mês. Mais de um mês em casa, a sair apenas em caso de necessidade: para ir
ao supermercado, ir deixar o lixo lá fora ou ir dar uma volta rápida com o meu
carro – sim, porque, se não o fizer, é o meu carro que não vai ficar bem no fim disto tudo, se ficar sempre parado. Há uns
dias, impressionou-me ir ao supermercado. Fez-me impressão ver as caixas (de
pagamento) cercadas por barreiras de protecção, as marcas no chão a respeito da
distância de segurança, a cafetaria completamente vazia, as pessoas como que
com medo, a esquivarem-se umas das outras – incluindo eu própria, como se já se
tivesse tornado instintivo esquivar-me das pessoas. Lembrei-me de como, antes,
ir ao supermercado chegava a ser algo descontraído. Agora, parece uma corrida,
um jogo de pegar nas coisas e fugir, como se o ar se fosse tornar irrespirável
se ficarmos lá demasiado tempo. Parece que, agora, há sempre esta sensação
quando se sai à rua: esta pressa, o facto de não se poder ficar fora por muito
tempo.
Estou, assim, há mais de um
mês a fazer tudo direitinho, eu e tantas outras pessoas. Mas nem todas, o que
também me chateia bastante. Vejo, por exemplo, os meus vizinhos a saírem de
casa pouco a pouco – é difícil acreditar que vão às compras pouco a pouco – e a
receberem visitas em casa pouco a pouco. Sei de pessoas que continuam a sair,
como se nada fosse. Vejo carros a passar na via-rápida por trás da minha casa a
toda a hora – é difícil pensar que são todos trabalhadores, uma vez que passam
a toda a hora, a qualquer hora. Ainda no outro dia vi no telejornal regional a rua
de acesso ao mercado condicionada e o parque de estacionamento do mercado
completamente cheio. E eu penso se não sou eu que estou a ser tola por estar
sempre a casa e a fazer tudo direitinho, enquanto muita gente age como se estivesse
tudo bem, tudo normal.
Depois vejo as notícias ao
final do dia, vejo o horror que se vive noutros países e ouço os constantes
apelos do Fiquem em casa – confesso
que já estou tão farta de ouvir esta frase –, e apercebo-me de que, afinal, eu
estou a fazer a coisa acertada. Mas, mais do que isso, ver as notícias ao fim
do dia deixa-me assustada.
É estranho. Ao longo do dia,
parece que está tudo bem, tudo tranquilo. Só me entretenho, a fazer tarefas de
casa ou coisas de que gosto. Nas redes sociais, são só arco-íris e optimismo,
mensagens positivas e pessoas a dizer o que andam a fazer em casa, e eu acho
que tudo isto é óptimo. É como se todos nós estivéssemos a puxar uns pelos
outros, a inspirar e a motivar os outros, pois, na verdade, ninguém está
sozinho nisto e estamos todos no mesmo barco, todos juntos. É outra das coisas
que me tem ajudado. Mas, depois, chega a noite e as suas notícias terríveis de
mortes, de doença, de pobreza, de tanta incerteza quanto ao futuro e de quando
tudo isto terminará. E parece que todo o optimismo do dia cai por terra. O que
vale é que, a seguir, vem um novo dia.
Esta é a primeira publicação
de uma série a que chamei de Diários da
quarentena. Penso que já vêm numa altura tardia, mas queria mesmo abordar
estes temas.
Não me considero introvertida mas tal como tu adoro estar no meu canto por isso tirando a preguiça enorme que se apoderou de mim estou a gostar imenso de estar em casa. Só me faz falta o ginásio
ResponderEliminarAhaha eu também estou. E a mim fazem-me falta as aulas de pilates...tenho feito exercício em casa mas não é a mesma coisa
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