Na última publicação da série Diários da quarentena, em que falei
acerca de se agradecer, referi que uma das coisas pelas quais estou grata neste
período de isolamento é a tecnologia. No entanto, esta mesma tecnologia, que
adoramos por nos manter todos juntos mesmo que separados, consegue ser uma faca
de dois gumes, em particular no que diz respeito às redes sociais. Se, por um
lado, a partilha de conteúdo pode inspirar-me e motivar-me e fazer-me pensar
positivo, pode, por outro lado, deixar-me cheia de stress e de ansiedade. E
tudo isto devido à questão da produtividade.
Parece que muitas pessoas
estão a encarar este período como um tempo para serem mais produtivas do que
nunca. Claro que é bom que se mantenham ocupadas e entretidas em casa, que
descubram novas coisas que gostem de fazer ou que façam coisas que já não
faziam há muito tempo. Mas vê-las a fazer tanta coisa, como, por exemplo, a
fazer tanto exercício físico todos os dias, a cozinhar imensas coisas
diferentes ou a criar tanta coisa nova em tão pouco tempo – e a gabarem-se por
isso, ao que parece –, acaba por me deixar stressada e desnorteada. Eu
pergunto-me se essas pessoas não param, e até me pergunto se fazem o que fazem
por gosto e em prol do seu bem-estar ou se apenas para mostrar aos outros o
quão produtivas estão a ser nestes dias. Seja como for, às vezes isto só me
deixa stressada, em vez de me inspirar e motivar a ser produtiva – e, por isso,
sinto-me bem melhor quando me desligo durante horas das redes.
Até porque a questão é: não
temos que ser produtivos. Isto é uma pandemia, e não uma competição de
produtividade. Não é para ver quem faz mais coisas em menos tempo, ou quem cria
mais projectos ou conteúdo. Se antes de tudo isto já nos era dito que não
precisamos de ser produtivos o tempo todo e que também temos que descansar,
então não faz sentido que as coisas sejam diferentes agora.
Eu, por norma, gosto de ser
produtiva. E muitas vezes senti-me culpada por ter um dia com zero
produtividade – um dia passado no sofá, por exemplo. No entanto, ando a tentar
deixar de ter esse sentimento. Porque não temos que sentir essa culpa. O mundo
não vai acabar se pararmos um pouco, até porque também é necessário parar, para
depois se avançar melhor do que antes. Felizmente, esta é uma das questões que
tem sido muito falada nas redes sociais, o que me dá calma e tranquilidade e
não me deixa sentir culpada. É impossível ser-se sempre produtivo. E, mesmo que
seja possível, é contraproducente. Consequências virão daí; podemos não dar por
elas agora, mas elas revelar-se-ão com o tempo, aos poucos.
Mas, lá por eu não ter um
“produto final” para mostrar e publicar nas redes sociais, não quer dizer que
não esteja a ser produtiva ou que não tenha tido um dia produtivo. Posso não
ter, por exemplo, um desenho pronto para publicar, mas posso ter estado a
trabalhar nele, ou a fazer uns rascunhos para desenhos novos. Posso não estar
pronta para mostrar partes da história que estou a escrever, mas isso não quer
dizer que não esteja a trabalhar nela e que não tenha escrito X palavras em
determinado dia. Há “produtos finais” nos quais é preciso dar um pequeno passo
diário. Ou de dois em dois dias, ou lá quando bem entendermos. E estas pequenas
conquistas, estes pequenos passos, também devem ser celebrados.
Para além disso, lá por eu não
o mostrar, não quer dizer que o meu dia não tenha sido igualmente produtivo.
Posso ter feito exercício hoje. Posso ter visto um filme espectacular. Posso
ter visto uns episódios ou terminado uma série. Posso ter aprendido algo novo.
Posso ter feito um almoço delicioso. Posso ter lido algumas páginas do meu
livro. Posso ter cuidado de mim. Posso ter feito uma separação de roupas do meu
armário para dar a quem precise. Posso ter limpo o meu quarto. Enfim. Na
verdade, muitas das coisas que eu faço não são do conhecimento público. Não
quer dizer que não seja produtiva. Sou, mas não partilho ou anuncio tudo o que
faço em período de isolamento. Nem é necessário fazê-lo. Tal como os pequenos
passos, celebro estas conquistas sozinha e partilho-as com os mais próximos.
Por fim, pode não ser preciso,
de facto, fazer alguma coisa para se
estar grato e para se celebrar. Há pequenas alegrias no dia-a-dia que nos
deixam assim, gratos e com um calorzinho no coração. Por exemplo – e estes são
meus exemplos –, acordar e ver o arco-íris; deliciar-me com um pequeno-almoço
diferente, umas papas de aveia quentinhas e acabadas de fazer; apanhar sol lá
fora enquanto ouço os passarinhos; receber uma mensagem romântica; ouvir uma
música incrível; ter o meu gato no meu colo; entre tantas outras coisas.
Tudo isto – os pequenos
passos, as pequenas conquistas e vitórias e as pequenas alegrias – deve ser
celebrado e, tal como as “grandes” coisas – os grandes “produtos finais” –, devem ser dignos de atenção, de carinho e, até, de registo, nem que seja apenas na memória. São coisas que também estão
muito presentes no meu diário da gratidão que falei na publicação anterior, para
além dos motivos pelos quais estou grata – até para não se tornar num registo
monótono. E acho que ver as coisas desta perspectiva está a ajudar-me bastante
a lidar com a questão da “produtividade no isolamento” e de gerir o stress
quando vejo os outros a ser “produtivos”. Para mim, estas pequenas coisas valem
tanto ou mais do que as que são partilhadas nas redes sociais.
Já estou cansada de ver pessoas a fazer coisas admito. Por vezes a intenção até pode ser motivar mas é cansativo. Cada um deve fazer o que quer e ao seu ritmo e não continuar a sentir pressão da sociedade logo agora que podemos aproveitar para estar no nosso canto a fazer as coisas como queremos
ResponderEliminarÉ mesmo cansativo, deixa-me stressada. Concordo com o que dizes ;)
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