24/10/19

Lar

Via Pinterest.

Quando conheci o R., foi como se já o conhecesse antes. Na verdade, até ao dia em que nos conhecemos, tínhamos andado a trocar mensagens durante os últimos três meses. Eram mensagens constantes, todos os dias durante aqueles três meses. Ele tornou-se numa companhia durante esse período, mas, mais do que isso, numa pessoa que se tornava a cada dia mais interessante e que me deixava com mais vontade de conhecer.

No nosso primeiro encontro, não tive essa sensação de achar que já o conhecia apenas devido à troca de mensagens, mas também por me sentir tão à vontade para um primeiro encontro. Talvez ele não achasse que eu estivesse assim tão à vontade, até porque, agora, as coisas são muito diferentes; sinto-me bem mais à vontade e sinto-me eu própria. Mas, naquele primeiro encontro, comparativamente àquilo que costumo ser quando estou com uma pessoa pela primeira vez ou com uma pessoa com quem não tenha grande confiança, sim, estive perfeitamente à vontade. Falei com ele naturalmente. Disse algumas piadinhas parvas. Ri-me e diverti-me. Senti-me à vontade ao ponto de lhe pedir que me tirasse fotografias, uma vez que estávamos num sítio bonito, com paisagens e vistas bonitas. E ainda ao ponto de lhe dar a mão sem hesitar porque eu estava com medo de escorregar e cair num troço do caminho que estava húmido e com lama. Ele contou-me uma história tão longa e eu lembro-me de olhar para ele enquanto falava e de pensar em como ele tinha umas pestanas tão compridas. Abraçou-me no início e no fim do encontro e eu achei-o algo desajeitado com abraços. Fui para casa satisfeita, com aquela boa sensação de ter tido um dia bem passado. E quis vê-lo mais vezes. Por muito que tenha querido aquele encontro, também me sentira receosa com o mesmo, com medo de me desapontar e de ele não ser como era nas mensagens. Mas não me desiludi. Ele era a mesma pessoa que era nas mensagens.

Lembro-me, depois disso, de como quis deitar a cabeça no seu ombro enquanto conversávamos numa tarde em cima do mar. De como pensei com ternura Ele está a fazer-me festinhas no cabelo quando ele estava a fazer precisamente isso, um pouco antes do nosso primeiro beijo. De como, um pouco depois do nosso primeiro beijo, houve um momento em que ele me olhou com tanto carinho que aquela fracção de segundo pareceu uma paragem no tempo, um instante suspenso. E de como, depois de eu me ir embora a seguir, passei a viagem de carro a sorrir. Lembro-me de momentos em que fomos só nós no meio da natureza, abraçados e em silêncio, só com o som dos pássaros à nossa volta.

Com o passar do tempo, quanto mais falávamos um com o outro e à medida que fomos saindo mais vezes juntos, apercebi-me do quanto queria mantê-lo na minha vida, do quanto era especial e importante para mim e do quanto gostava dele. Com o passar do tempo, percebi que, afinal, ele não era desajeitado com abraços; hoje, os seus abraços são o melhor e o mais confortável, quente e seguro lugar do mundo, onde eu gostava de ficar para sempre. Com o passar do tempo, dar-lhe a mão deixou de ser uma mera tentativa de me manter segura para não cair, mas antes uma segurança a um outro nível e um gesto natural que me aquece o coração. Com o passar do tempo, continuei a reparar no quanto as suas pestanas são compridas, especialmente quando olha para mim com uma ternura que me derrete completamente. Ou quando eu olho para ele e ele está desprevenido, e eu derreto-me completamente na mesma por ele ser tão incrível e a melhor pessoa que eu tenho na vida. Nada ocorreu abruptamente; foi mesmo como entrar numa casa e perceber, a cada pequeno passo, que aquela casa era especial. Perceber, com o passar do tempo, quanto mais tempo passava naquela casa e quanto mais descobria sobre ela, que encontrara um lar.

Ainda me pergunto como foi que nos encontrámos e que aparecemos na vida um do outro. Nem ele sabe. Foi mesmo por mero acaso, algo para o qual não encontro explicação.

Com ele tenho o que nunca tive antes e sou o que nunca fui antes. Há mensagens de bom dia, de boa noite e mais não sei quantas pelo meio. Há trocas constantes de palavras carinhosas, de elogios fofinhos e sinceros. Há miminhos em forma de presentes sem haver um motivo especial. Sou uma pessoa tão lamechas – no bom sentido – e romântica, que nem me reconheço – mais uma vez, no bom sentido. Com ele posso brincar à vontade e falar sobre qualquer assunto. Ele diz que me ama sem rodeios e assim, do nada, diversas vezes num dia. Todas as vezes em que estou com ele, em que estou simplesmente a olhá-lo nos olhos ou a ouvi-lo falar, apaixono-me mais, apercebo-me da sorte que tenho em ter aquela pessoa tão incrível na minha vida e agradeço em silêncio por isso. Lembro-me dele quando vejo uma cena romântica num filme ou série e quando tocam músicas românticas na rádio – mesmo que sejam foleiras, as letras fazem sentido por causa dele. Com ele há tantos planos por concretizar e um anseio por uma vida lado a lado em que todos esses planos e desejos se concretizem, pois só assim, lado a lado, é que tudo faz sentido. Com ele sou feliz. Com ele, sinto-me em casa. É o meu lar.

16/10/19

Pressão


Acho que sempre fui muito dura comigo mesma, por influência do meu meio familiar e da sociedade em geral.

Existe aquele “curso natural das coisas”. O ir à escola, o terminar o décimo-segundo ano, o entrar na universidade, o arranjar emprego, o comprar casa. Como se fosse uma bússola para cada um, indicando o que fazer a seguir. E é como se este “curso natural das coisas” viesse com um temporizador associado. Como se houvesse um prazo para cada coisa. Do género: aos dezoito anos já tens que ter o décimo-segundo ano. Aos vinte e cinco já tens que ter um trabalho estável. E por aí fora.

Eu sempre cresci com esse “mapa da vida” presente na mente, mesmo que, por exemplo, nunca tenha tido interesse em ir para a universidade. Mas sabia que era isso que era o certo, o natural, e – e acho que este é o maior erro de todos – o que esperavam de mim. Mais dura fui eu comigo mesma durante esse período. Porque eu tinha que fazer o curso no número de anos que estavam estipulados. Fui eu própria quem pôs isto na minha cabeça, mas nem sei bem porquê. Não sei se foi, mais uma vez, por ser isto que esperavam de mim. Ou se foi por achar que era a minha obrigação. Ou porque não queria desapontar ninguém. Ou se foi por outro motivo estúpido qualquer. Mas, olhando para trás, vejo o quanto fui dura comigo mesma, e o quanto fui estúpida. Eu não me permitia descansar, parar um pouco, reflectir. Eu apenas dava no duro para ter tudo pronto, para despachar tudo o mais depressa possível. E, se me via num momento mais livre, mais descontraído, sem afazeres da faculdade e a fazer algo de que gostava ou que me apeteceu no momento, pensava em como algo estava errado. E sentia-me culpada. Culpada por parar, por relaxar. Por não estar a fazer o que esperavam de mim.

Olhando para trás, parece-me como que uma pressão estúpida para ser perfeita. Para ter a vidinha perfeita que a sociedade estipulou, que passa por seguir o “curso natural das coisas”.

E, bem, parece que o feitiço se virou contra o feiticeiro. Aos vinte e sete anos, era de se esperar que tivesse um emprego estável desde a minha saída da universidade e que já tivesse saído de casa da minha mãe. Talvez também já se esperasse que estivesse a viver com um companheiro. Mas aqui estou eu, com vinte e sete anos e sem um emprego estável, cheia de dúvidas em relação ao curso que tirei, ainda a viver com a minha mãe e a achar que a ideia de me mudar para um sítio meu ainda está num futuro distante.

A pressão não fez apenas com que fosse dura comigo mesma. Também fez com que tomasse más decisões. Pegando no exemplo da universidade, o facto de ter sido tão dura comigo mesma, raramente permitindo-me descansar com aquele objectivo estúpido de despachar o curso o mais depressa possível, fez com que tomasse a má decisão de não ter tirado o melhor proveito da minha experiência. Não só da experiência académica, mas também de toda a experiência de viver fora de casa, noutra cidade.

A pressão fez com que tomasse uma má decisão da qual me vou arrepender para sempre. Com toda aquela coisa de terminar o décimo-segundo ano e ir para a universidade, não pensei muito acerca do curso, nem quis tirar tempo para pensar. Foi-me sugerido parar por um ano para pensar e ponderar. E eu não o quis. Nem quis, sequer, pensar no assunto; ficou imediatamente fora de questão. Porque era um intervalo no “curso natural das coisas”; um ano sem fazer nada, um ano perdido, deitado fora. Porque eu queria “despachar tudo”. Mas, também aí, o feitiço virou-se: acabou, de facto, por ter sido um ano deitado fora, pois desisti do curso. Tudo por não ter pensado bem. Por não ter tirado tempo para pensar. Por não ter resolvido parar por um bocado e por ter escolhido viver na correria.

Isto fez com que, no ano passado, por esta altura, eu resolvesse não cometer o mesmo erro. Como tal, resolvi parar, pensar, ponderar opções. A pressão para me mexer, para seguir com a correria da vida e para fazer alguma coisa esteve sempre lá, continuou sempre à espreita. Mas eu, na maior parte dos dias, decidi ignorá-la.

Entretanto, um ano passou. E, apesar de várias coisas terem acontecido, vejo-me, agora, no mesmo exacto ponto em que estava há um ano atrás. Tudo porque tenho um contrato de trabalho a terminar em breve. Estou de férias neste momento, mas sinto-me como se já estivesse desempregada e já tivesse toda esta pressão de arranjar um novo emprego a cair sobre mim. Porque, há precisamente um ano atrás, era assim. Porque já consigo sentir a pressão. São os meus colegas a dizer que estão a procurar outra coisa. É a minha mãe a dar dicas quando o contrato ainda nem terminou – de que eu podia inscrever-me no centro de emprego ou mandar o currículo para determinado sítio.

É-me demasiado difícil viver com esta pressão a espreitar de todos os cantos, ainda para mais quando eu própria também detesto esta situação e sei que, detestando a situação, cedo facilmente à pressão e escolho um caminho porque é suposto e é o que esperam de mim. É verdade que todos temos o nosso timing, que cada um precisa do seu próprio tempo para crescer e evoluir, que este “curso natural das coisas” está ultrapassado e que já não existe essa ideia de que com a idade X temos a obrigação de estar em lugar Y. Tudo isto é refrescante, reconfortou-me durante o ano passado por esta mesma altura e esse período chegou a ser uma lufada de ar fresco.

Contudo, duvido que serei capaz de viver algo assim novamente. Acho que já tive tempo demais. Tive tempo, mas não tive respostas, nem decisões. Isto deixa-me frustrada. E assusta-me.