Acho que sempre fui muito dura
comigo mesma, por influência do meu meio familiar e da sociedade em geral.
Existe aquele “curso natural
das coisas”. O ir à escola, o terminar o décimo-segundo ano, o entrar na
universidade, o arranjar emprego, o comprar casa. Como se fosse uma bússola
para cada um, indicando o que fazer a seguir. E é como se este “curso natural das
coisas” viesse com um temporizador associado. Como se houvesse um prazo para
cada coisa. Do género: aos dezoito anos
já tens que ter o décimo-segundo ano. Aos
vinte e cinco já tens que ter um trabalho estável. E por aí fora.
Eu sempre cresci com esse
“mapa da vida” presente na mente, mesmo que, por exemplo, nunca tenha tido
interesse em ir para a universidade. Mas sabia que era isso que era o certo, o
natural, e – e acho que este é o maior erro de todos – o que esperavam de mim. Mais dura fui eu
comigo mesma durante esse período. Porque eu
tinha que fazer o curso no número de anos que estavam estipulados. Fui eu
própria quem pôs isto na minha cabeça, mas nem sei bem porquê. Não sei se foi,
mais uma vez, por ser isto que esperavam de mim. Ou se foi por achar que era a
minha obrigação. Ou porque não queria desapontar ninguém. Ou se foi por outro
motivo estúpido qualquer. Mas, olhando para trás, vejo o quanto fui dura comigo
mesma, e o quanto fui estúpida. Eu não me permitia descansar, parar um pouco,
reflectir. Eu apenas dava no duro para ter tudo pronto, para despachar tudo o
mais depressa possível. E, se me via num momento mais livre, mais descontraído,
sem afazeres da faculdade e a fazer algo de que gostava ou que me apeteceu no
momento, pensava em como algo estava errado. E sentia-me culpada. Culpada por
parar, por relaxar. Por não estar a fazer o que esperavam de mim.
Olhando para trás, parece-me
como que uma pressão estúpida para ser perfeita. Para ter a vidinha perfeita
que a sociedade estipulou, que passa por seguir o “curso natural das coisas”.
E, bem, parece que o feitiço
se virou contra o feiticeiro. Aos vinte e sete anos, era de se esperar que
tivesse um emprego estável desde a minha saída da universidade e que já tivesse
saído de casa da minha mãe. Talvez também já se esperasse que estivesse a viver
com um companheiro. Mas aqui estou eu, com vinte e sete anos e sem um emprego
estável, cheia de dúvidas em relação ao curso que tirei, ainda a viver com a
minha mãe e a achar que a ideia de me mudar para um sítio meu ainda está num
futuro distante.
A pressão não fez apenas com
que fosse dura comigo mesma. Também fez com que tomasse más decisões. Pegando
no exemplo da universidade, o facto de ter sido tão dura comigo mesma, raramente
permitindo-me descansar com aquele objectivo estúpido de despachar o curso o
mais depressa possível, fez com que tomasse a má decisão de não ter tirado o
melhor proveito da minha experiência. Não só da experiência académica, mas
também de toda a experiência de viver fora de casa, noutra cidade.
A pressão fez com que tomasse
uma má decisão da qual me vou arrepender para sempre. Com toda aquela coisa de
terminar o décimo-segundo ano e ir para a universidade, não pensei muito acerca
do curso, nem quis tirar tempo para pensar. Foi-me sugerido parar por um ano
para pensar e ponderar. E eu não o quis. Nem quis, sequer, pensar no assunto;
ficou imediatamente fora de questão. Porque era um intervalo no “curso natural
das coisas”; um ano sem fazer nada, um ano perdido, deitado fora. Porque eu
queria “despachar tudo”. Mas, também aí, o feitiço virou-se: acabou, de facto,
por ter sido um ano deitado fora, pois desisti do curso. Tudo por não ter
pensado bem. Por não ter tirado tempo para pensar. Por não ter resolvido parar
por um bocado e por ter escolhido viver na correria.
Isto fez com que, no ano
passado, por esta altura, eu resolvesse não cometer o mesmo erro. Como tal,
resolvi parar, pensar, ponderar opções. A pressão para me mexer, para seguir
com a correria da vida e para fazer alguma coisa esteve sempre lá, continuou
sempre à espreita. Mas eu, na maior parte dos dias, decidi ignorá-la.
Entretanto, um ano passou. E,
apesar de várias coisas terem acontecido, vejo-me, agora, no mesmo exacto ponto
em que estava há um ano atrás. Tudo porque tenho um contrato de trabalho a
terminar em breve. Estou de férias neste momento, mas sinto-me como se já
estivesse desempregada e já tivesse toda esta pressão de arranjar um novo
emprego a cair sobre mim. Porque, há precisamente um ano atrás, era assim.
Porque já consigo sentir a pressão. São os meus colegas a dizer que estão a
procurar outra coisa. É a minha mãe a dar dicas quando o contrato ainda nem
terminou – de que eu podia inscrever-me no centro de emprego ou mandar o
currículo para determinado sítio.
É-me demasiado difícil viver
com esta pressão a espreitar de todos os cantos, ainda para mais quando eu
própria também detesto esta situação e sei que, detestando a situação, cedo
facilmente à pressão e escolho um caminho porque é suposto e é o que esperam de mim. É verdade que
todos temos o nosso timing, que cada
um precisa do seu próprio tempo para crescer e evoluir, que este “curso natural
das coisas” está ultrapassado e que já não existe essa ideia de que com a idade
X temos a obrigação de estar em lugar Y. Tudo isto é refrescante,
reconfortou-me durante o ano passado por esta mesma altura e esse período
chegou a ser uma lufada de ar fresco.
Contudo, duvido que serei
capaz de viver algo assim novamente. Acho que já tive tempo demais. Tive tempo,
mas não tive respostas, nem decisões. Isto deixa-me frustrada. E assusta-me.
Também já senti essa pressão do "curso natural das coisas" até porque há sempre alguém perto de nós que segue esse curso mas a verdade é que cada um tem o seu timing e nos dias de hoje timings esperados para sair de casa, ter filhos etc não é como na altura dos nossos pais. Afinal de contas quem consegue sair de casa se as rendas nos levam o ordenado todo ou até mais? Daí filhos nem pensar.
ResponderEliminarFizeste bem em parar, mais vale estar um ano ou dois mas descobrir o que queremos e gostamos do que perder uma vida inteira na incerteza ou na busca de algo que não aparece.