Nesta
fotografia está a minha pequena e sempre em crescimento colecção
de bilhetes dos concertos a que assisti. Pequenos pedaços de papel
aparentemente insignificantes que eu guardo religiosamente e com um
grande carinho, por representarem momentos de felicidade e por
guardarem memórias que nunca irei esquecer. Faltam, na fotografia,
dois bilhetes que foram comprados online e impressos – são feios,
portanto; não iam condizer com o resto –, bem como um outro que só
existiu em versão digital.
Estão
aqui representados concertos em que mal tinha espaço para respirar e
concertos em que tinha espaço de sobra à minha volta. Concertos em
que a acústica da sala era muito má e concertos em que nem sequer
pensei nisso. Concertos em que me calhou um lugar num balcão, mas em
que acabei por me pôr de pé, uma vez que a música e a energia
vindas do palco não me deixavam ficar sentada. Concertos cujas
palavras dos artistas, ditas entre canções, ficaram gravadas na
minha memória, e um concerto em que os artistas nem sequer
interagiram com o público, tocando, simplesmente, música atrás de
música. Um concerto em que alguns instrumentos deixaram de funcionar
por um minuto, se tanto, e que me fez rir. E concertos que foram
verdadeiros espectáculos, que incluíram vídeos, jogos de luzes e
vários elementos de palco. Nunca há um concerto igual ao outro.
Seja
como for, diverti-me em todos eles. Diverti-me, cantei e sorri, tanto
com a própria música, como devido às palavras dos artistas. E
todos eles foram uma surpresa. As minhas expectativas eram superadas,
especialmente quando tocavam músicas das quais não estava nada à
espera.
O
último concerto a que fui, já este ano, foi o de Steven Wilson. Foi
a segunda vez que assisti a um concerto deste senhor, e, até agora, não houve outro que se lhe comparasse.
Tenho
pena que não seja um músico tão conhecido por aqui. A maioria das
pessoas com quem falo diz não saber quem ele é, quando é tão
conhecido noutros países. Eu considero-o um génio musical, uma
mente brilhante que não pára de conceber novos projectos e de
fabricar novas ideias.
A
primeira vez que o vi ao vivo foi em 2015, logo depois de ter
terminado a minha licenciatura. Confesso que não estava com qualquer
expectativa e que nem fui com grande entusiasmo – até porque
estava a chover e a minha vontade de sair era nula. Para além disso,
considerando o facto de o tipo ter imensos projectos e de ser
praticamente um mestre, estava à espera de ver um gajo arrogante e
com a mania e que mal contactasse com o público.
No
entanto, este concerto foi, para mim, o melhor a que já assisti até
hoje, mesmo que já tenha visto ao vivo algumas das minhas bandas
preferidas. Steven deixou a fasquia bastante elevada, de tal forma
que, nos concertos a que fui depois desse, por muito bons e
surpreendentes que tivessem sido, eu saí com uma sensação
estranha, como se tivesse faltado alguma coisa.
E,
de facto, claro que tinha faltado alguma coisa. Tinha faltado tudo
aquilo que um concerto de Steven Wilson é capaz de proporcionar. Os
vídeos como pano de fundo das músicas. Os efeitos de luzes. A sua
presença em palco e o seu carisma, inigualáveis. A interacção
entre todos os membros da banda. A constante troca de guitarras, que
estavam dispostas no palco. E, claro, o melhor elemento de todos: a
grande interacção com o público.
É
claro que não é uma grande interacção com o público que faz um
bom concerto, mas, a meu ver, é uma peça fundamental. Pois, se não
existir, é quase como se estivéssemos em casa a ouvir um disco. Só
o ambiente que se vive no recinto e todo o espírito de união entre
os fãs não é, para mim, suficiente. Acho que um artista tem que
ser capaz de cativar o seu público, e não apenas através da
música.
Creio
que foi isto o que mais me surpreendeu na primeira vez que o vi ao
vivo. Como eu disse, estava à espera de um tipo arrogante, de nariz
empinado e de pouquíssimas palavras. Por isso, qual não foi o meu
espanto quando, à minha frente, vi uma pessoa aparentemente
acessível, simples, simpática, que gostava bastante de falar e de
roubar sorrisos ao público.
E,
claro, este meu segundo concerto não foi excepção. Falou muito,
brincou muito e fez-me rir bastante. Disse que os miúdos de hoje não
devem saber o que é uma guitarra eléctrica, e que aqueles que sabem
acham que tocá-la significa tocar o maior número de notas por
segundo – e disse que isso não era fazer música; era, antes, um
desporto olímpico. Falou das suas influências, e que, para além
das maiores, como os Pink Floyd, crescera a ouvir os ABBA e os Bee
Gees, razão pela qual compôs uma música tão “estranha” –
por ser tão diferente do seu restante trabalho – para o seu último
álbum, mas que rapidamente põe toda a gente a fazer, como ele
disse, disco dancing. Falou de Prince e de Hendrix. Referiu
que a comunidade metaleira era uma comunidade de mente aberta.
Brincou com as próprias músicas, dizendo que, para ele, não era
fácil saber se o público estava, de facto, a gostar do seu
espectáculo, já que eram músicas “para ouvir”, algumas delas
melancólicas e/ou deprimentes. Sim, disse mesmo que as suas próprias
músicas eram melancólicas e deprimentes, ou que tinham uma mensagem
deprimente, e até perguntou, no fim, depois de dizer que sairíamos
dali todos deprimidos: Foi para isso que vieram, não foi?.
Tive
alguma esperança que tocasse a minha música preferida dos Porcupine
Tree, o seu projecto mais conhecido. Porém, em vez disso, tocou
outras das quais também gosto muito e que não estava nada à
espera. Refuge. Song of Unborn. Lazarus.
Blackfield. Esta última foi, para mim, a surpresa da noite.
Blackfield é outro dos seus projectos – a banda chama-se
Blackfield e uma das suas músicas, que, por acaso, foi a primeira
deles que ouvi, tem o mesmo nome –, e foi tão surpreendente e tão
bonito poder ouvir algo dele ao vivo.
Tanto
no primeiro concerto dele a que fui como neste segundo, a última
música a ser tocada foi The Raven that Refused to Sing.
Engraçado como não gostava desta música antes, por achá-la tão
chata, tão “sem graça” e demasiado melancólica para mim. Mas,
depois de a ouvir ao vivo pela primeira vez, naquele maravilhoso
concerto de 2015, tornou-se numa das minhas músicas favoritas.
Porque ouvi-la ao vivo foi completamente diferente do que ouvi-la em
casa, sozinha, de auriculares nos ouvidos. E isto devido ao ambiente.
As pessoas estão calmas e silenciosas, de olhos postos no palco. O
vídeo da música passa por trás. Parece que há uma expectativa no
ar; parece que todos estão hipnotizados. É um momento bonito. Da
primeira vez, fiquei maravilhada. Nesta segunda vez, cantei,
baixinho, aqueles versos melancólicos todinhos, do primeiro ao
último. Foi diferente, e, como tal, preferi o momento do primeiro
concerto. Porque foi muito mais mágico, surpreendente e inesperado.
Agora,
e por causa da canção que tocaram, não consigo parar de ouvir
Blackfield. Incrível e engraçado como a nossa forma de apreciar as
coisas pode mudar tanto com o passar dos anos. Nunca me tinha
apercebido do quão boas são as músicas deste projecto.
Especialmente as do álbum Blackfield II. Demasiado boas. E
tão bonitas. E tristes e melancólicas como quase tudo o resto em
que Steven põe a mão e deixa o seu toque de ouro. Há mesmo algo de
bonito nisto, na poesia triste e melancólica.
Sem comentários:
Enviar um comentário