24/01/19

Inigualável


Nesta fotografia está a minha pequena e sempre em crescimento colecção de bilhetes dos concertos a que assisti. Pequenos pedaços de papel aparentemente insignificantes que eu guardo religiosamente e com um grande carinho, por representarem momentos de felicidade e por guardarem memórias que nunca irei esquecer. Faltam, na fotografia, dois bilhetes que foram comprados online e impressos – são feios, portanto; não iam condizer com o resto –, bem como um outro que só existiu em versão digital.

Estão aqui representados concertos em que mal tinha espaço para respirar e concertos em que tinha espaço de sobra à minha volta. Concertos em que a acústica da sala era muito má e concertos em que nem sequer pensei nisso. Concertos em que me calhou um lugar num balcão, mas em que acabei por me pôr de pé, uma vez que a música e a energia vindas do palco não me deixavam ficar sentada. Concertos cujas palavras dos artistas, ditas entre canções, ficaram gravadas na minha memória, e um concerto em que os artistas nem sequer interagiram com o público, tocando, simplesmente, música atrás de música. Um concerto em que alguns instrumentos deixaram de funcionar por um minuto, se tanto, e que me fez rir. E concertos que foram verdadeiros espectáculos, que incluíram vídeos, jogos de luzes e vários elementos de palco. Nunca há um concerto igual ao outro. 

Seja como for, diverti-me em todos eles. Diverti-me, cantei e sorri, tanto com a própria música, como devido às palavras dos artistas. E todos eles foram uma surpresa. As minhas expectativas eram superadas, especialmente quando tocavam músicas das quais não estava nada à espera.

O último concerto a que fui, já este ano, foi o de Steven Wilson. Foi a segunda vez que assisti a um concerto deste senhor, e, até agora, não houve outro que se lhe comparasse.

Tenho pena que não seja um músico tão conhecido por aqui. A maioria das pessoas com quem falo diz não saber quem ele é, quando é tão conhecido noutros países. Eu considero-o um génio musical, uma mente brilhante que não pára de conceber novos projectos e de fabricar novas ideias.

A primeira vez que o vi ao vivo foi em 2015, logo depois de ter terminado a minha licenciatura. Confesso que não estava com qualquer expectativa e que nem fui com grande entusiasmo – até porque estava a chover e a minha vontade de sair era nula. Para além disso, considerando o facto de o tipo ter imensos projectos e de ser praticamente um mestre, estava à espera de ver um gajo arrogante e com a mania e que mal contactasse com o público.

No entanto, este concerto foi, para mim, o melhor a que já assisti até hoje, mesmo que já tenha visto ao vivo algumas das minhas bandas preferidas. Steven deixou a fasquia bastante elevada, de tal forma que, nos concertos a que fui depois desse, por muito bons e surpreendentes que tivessem sido, eu saí com uma sensação estranha, como se tivesse faltado alguma coisa.


E, de facto, claro que tinha faltado alguma coisa. Tinha faltado tudo aquilo que um concerto de Steven Wilson é capaz de proporcionar. Os vídeos como pano de fundo das músicas. Os efeitos de luzes. A sua presença em palco e o seu carisma, inigualáveis. A interacção entre todos os membros da banda. A constante troca de guitarras, que estavam dispostas no palco. E, claro, o melhor elemento de todos: a grande interacção com o público.

É claro que não é uma grande interacção com o público que faz um bom concerto, mas, a meu ver, é uma peça fundamental. Pois, se não existir, é quase como se estivéssemos em casa a ouvir um disco. Só o ambiente que se vive no recinto e todo o espírito de união entre os fãs não é, para mim, suficiente. Acho que um artista tem que ser capaz de cativar o seu público, e não apenas através da música.

Creio que foi isto o que mais me surpreendeu na primeira vez que o vi ao vivo. Como eu disse, estava à espera de um tipo arrogante, de nariz empinado e de pouquíssimas palavras. Por isso, qual não foi o meu espanto quando, à minha frente, vi uma pessoa aparentemente acessível, simples, simpática, que gostava bastante de falar e de roubar sorrisos ao público.

E, claro, este meu segundo concerto não foi excepção. Falou muito, brincou muito e fez-me rir bastante. Disse que os miúdos de hoje não devem saber o que é uma guitarra eléctrica, e que aqueles que sabem acham que tocá-la significa tocar o maior número de notas por segundo – e disse que isso não era fazer música; era, antes, um desporto olímpico. Falou das suas influências, e que, para além das maiores, como os Pink Floyd, crescera a ouvir os ABBA e os Bee Gees, razão pela qual compôs uma música tão “estranha” – por ser tão diferente do seu restante trabalho – para o seu último álbum, mas que rapidamente põe toda a gente a fazer, como ele disse, disco dancing. Falou de Prince e de Hendrix. Referiu que a comunidade metaleira era uma comunidade de mente aberta. Brincou com as próprias músicas, dizendo que, para ele, não era fácil saber se o público estava, de facto, a gostar do seu espectáculo, já que eram músicas “para ouvir”, algumas delas melancólicas e/ou deprimentes. Sim, disse mesmo que as suas próprias músicas eram melancólicas e deprimentes, ou que tinham uma mensagem deprimente, e até perguntou, no fim, depois de dizer que sairíamos dali todos deprimidos: Foi para isso que vieram, não foi?.

Tive alguma esperança que tocasse a minha música preferida dos Porcupine Tree, o seu projecto mais conhecido. Porém, em vez disso, tocou outras das quais também gosto muito e que não estava nada à espera. Refuge. Song of Unborn. Lazarus. Blackfield. Esta última foi, para mim, a surpresa da noite. Blackfield é outro dos seus projectos – a banda chama-se Blackfield e uma das suas músicas, que, por acaso, foi a primeira deles que ouvi, tem o mesmo nome –, e foi tão surpreendente e tão bonito poder ouvir algo dele ao vivo.

Tanto no primeiro concerto dele a que fui como neste segundo, a última música a ser tocada foi The Raven that Refused to Sing. Engraçado como não gostava desta música antes, por achá-la tão chata, tão “sem graça” e demasiado melancólica para mim. Mas, depois de a ouvir ao vivo pela primeira vez, naquele maravilhoso concerto de 2015, tornou-se numa das minhas músicas favoritas. Porque ouvi-la ao vivo foi completamente diferente do que ouvi-la em casa, sozinha, de auriculares nos ouvidos. E isto devido ao ambiente. As pessoas estão calmas e silenciosas, de olhos postos no palco. O vídeo da música passa por trás. Parece que há uma expectativa no ar; parece que todos estão hipnotizados. É um momento bonito. Da primeira vez, fiquei maravilhada. Nesta segunda vez, cantei, baixinho, aqueles versos melancólicos todinhos, do primeiro ao último. Foi diferente, e, como tal, preferi o momento do primeiro concerto. Porque foi muito mais mágico, surpreendente e inesperado.

Agora, e por causa da canção que tocaram, não consigo parar de ouvir Blackfield. Incrível e engraçado como a nossa forma de apreciar as coisas pode mudar tanto com o passar dos anos. Nunca me tinha apercebido do quão boas são as músicas deste projecto. Especialmente as do álbum Blackfield II. Demasiado boas. E tão bonitas. E tristes e melancólicas como quase tudo o resto em que Steven põe a mão e deixa o seu toque de ouro. Há mesmo algo de bonito nisto, na poesia triste e melancólica.

Sem comentários:

Enviar um comentário