Sempre fui da opinião de que
um curso superior não dita o futuro de ninguém. De que, lá por termos um “diploma”,
não quer dizer que tenhamos um futuro garantido. Não é certo que tenhamos um
emprego, de sonho ou não, naquela área em que nos formámos. Nem sequer é certo
que tenhamos um emprego numa área semelhante ou que tenhamos um simples part-time. Claro que a grande maioria
das pessoas que deseja tirar um determinado curso sonha em trabalhar na área em
que se formou. Mas nada é garantido.
Eu não faço parte desta grande
maioria por diversas razões. Nunca soube o que queria; não entrei no curso que
tinha colocado como primeira opção; não desenvolvi aquele sentimento de amor ao
curso; entre outros motivos. No entanto, o curso estava na minha vida e fazia
parte da minha rotina e do meu dia-a-dia, e, tal como uma pessoa com quem somos
obrigados a estar e a conviver todos os dias por alguma razão, criou-se uma
espécie de relação de conformismo e um Vamos
ver no que isto vai dar. Na verdade, houve alturas em que achei a área
interessante. Mas também houve muitas alturas em que achei que talvez não fosse
para mim. Seja como for, nunca houve aquele amor ao curso, ou à área. Amor é uma palavra muito forte. Houve uma
simpatia, por assim dizer.
E, aliado ao pensamento de que
um curso superior não ditaria o meu futuro, surgiu um outro: o de que não sou,
nem devo sentir-me, obrigada a trabalhar na área em que me formei, apenas por
ter um “diploma”. Portanto, o bendito diploma, aquela listagem infinita de
cursos superiores e os maravilhosos títulos de licenciado, mestre e afins que
ficam bem no currículo, não são garantia de uma boa vida e não nos forçam a
trabalhar naquela área em específico. Devido a este pensamento, devido a nunca
ter sabido o que queria da vida em termos profissionais e devido ao facto de
não ter tirado o meu curso de sonho e de não me ter formado na área que mais me
atrai, nunca pus de parte a hipótese de ter outro tipo de trabalho e de
trabalhar numa área completamente diferente.
É verdade que, com o tempo,
com a prática, com o meu próprio crescimento e com a aquisição de novos
conhecimentos – e até com a aquisição do gosto
em adquirir novos conhecimentos – a minha área de formação, a nutrição,
interessou-me. Não deixava de ser apenas uma relação de simpatia, é certo, mas
interessou-me. Continua, aliás, a interessar-me, pois, apesar de tudo, continua
a fazer parte de mim. Aquilo que aprendi continua em mim; continuo a trazer os
meus conhecimentos para a vida real e para o meu dia-a-dia, mesmo que o faça instintivamente
e sem me aperceber; continua a ser como que um porto seguro, um plano de
recurso que poderei sempre resgatar a qualquer momento. É algo que ninguém me
tira. Mas desencantou-me.
Desencantou-me porque, de um
momento para o outro, a nutrição e a alimentação saudável passaram a estar na
moda. A estar demasiado na moda. É óbvio
que não há absolutamente mal nenhum em querer comer bem e ser-se saudável,
muito pelo contrário. A grande questão, e o que me deixa chateada, desmotivada
e desencantada com tudo isto, é toda a proporção que isto tomou.
De um momento para o outro,
toda a gente tornou-se nutricionista. Bloggers,
youtubers, personal trainers e tudo o que mais se possa imaginar; toda a gente
sabe, escreve e dá dicas sobre nutrição e alimentação saudável. Mesmo que os
conteúdos estejam incorrectos, mesmo que não tenham fundamento científico,
mesmo que aquilo que pregam vá contra as minhas opiniões e as de outros colegas
meus de profissão, ou mesmo contra o nosso Código Deontológico. Mesmo assim,
toda esta gente, que não se formou em nutrição, sabe do que fala.
Espero que se
note a ironia.
E, claro, como sabem do que
falam e devido à sua grande influência, quem os ouve ou quem os lê engole cada
palavra. De repente, são estas pessoas as donas da razão. Bem, elas e as próprias
pessoas que tomam a iniciativa de pesquisar sobre nutrição e alimentação
saudável, que, por verem tudo na internet, por lerem o blog X e por seguirem a youtuber Y que tanto sabe, também acham
que já sabem tudo o que há para saber. E, sendo assim, para quê ir-se a um
nutricionista? Para quê, aliás, existirem nutricionistas, quando aquilo de que
falam é do conhecimento geral? Quando, aliás, o pessoal da internet e o pessoal
do fitness sabe muito mais do que
eles?
Ironia, novamente.
Eu duvido muito que fosse
ouvida. Eu sinto-me como que esmagada por todos estes influenciadores que acham
que têm o rei na barriga. Sinto-me desanimada e chateada por ouvir tantos bitaites sem sentido e por não conseguir
contrariá-los ou chamar as pessoas à razão, porque são elas que têm razão. Porque
foi a pessoa X que disse aquilo, ou foi ela própria que viu no site Y. Sinto-me desanimada com a pouca
importância que nos é dada, porque dá ideia de que todos os nossos
conhecimentos estão aí, à distância de um clique, acessíveis a qualquer um. Sinto-me
desanimada porque toda a gente sabe tudo. Porque, apesar da minha formação, do
meu investimento em cursos e seminários complementares e da minha inscrição na
Ordem dos Nutricionistas, eu não sei nada, ou sei menos, ou estou errada. Os outros
é que sabem tudo, os outros é que têm razão. Mesmo que estejam a dizer tudo ao
contrário. Mesmo sem saberem o básico da bioquímica e da anatomia, por exemplo.
Mesmo que não saibam elaborar um plano personalizado e adequado a determinada
pessoa.
Apesar de, no fundo, estar
disposta a ajudar pessoas e a transmitir os meus conhecimentos, acho tão
difícil ser ouvida e competir contra tudo isto. Nunca gostei de discussões, nem
nunca gostei de ter que provar que tenho razão, quando sei que a tenho. Especialmente
quando, do outro lado, estão pessoas com o rei na barriga. Se estão tão certas,
se acham que sabem tudo, se descuram qualquer outra opinião, então eu deixo-as “terem
razão”, calo-me e afasto-me – só para não ouvir mais asneiras. Porque, seja
como for, a minha voz não é ouvida e tudo o que possa vir a dizer é posto de
parte como quem afasta um insecto voador irritante. E nunca gostei de
discussões; discutir é daquelas coisas que não valem o meu tempo e a minha
energia, principalmente quando sei que quem está certa sou eu.
É certo que podia – e talvez
devesse mesmo – ter a atitude contrária: gritar mais alto, lutar para ser
ouvida. Mas isto torna-se cansativo. Discutir é cansativo. Especialmente quando
se está desanimada, desmotivada e desencantada. Continua a ser interessante
para mim, mas deixa-me triste o facto de se ter tornado em algo demasiado “banal”
e “popular”. E, claro, será sempre parte de mim e continua a ser o meu plano de
recurso, quando, em termos profissionais, tudo o resto falhar. No entanto, acho
que nunca deixarei de me sentir assim, mesmo que acabe por exercer.
Seja como for, não é vergonha nenhuma, na minha opinião, trabalhar noutra área que não aquela em que nos formámos. Pelo contrário. Acho que, quem o faz, para além de corajoso, mostra-se disponível a aprender e a tentar algo novo. Mostra-se disponível a crescer. E demonstra que a pessoa não está limitada a uma só coisa, e que arrisca e que não se dá como que por vencida.
Seja como for, não é vergonha nenhuma, na minha opinião, trabalhar noutra área que não aquela em que nos formámos. Pelo contrário. Acho que, quem o faz, para além de corajoso, mostra-se disponível a aprender e a tentar algo novo. Mostra-se disponível a crescer. E demonstra que a pessoa não está limitada a uma só coisa, e que arrisca e que não se dá como que por vencida.
Há imensa gente que trabalha noutra área que não aquela que se formou, seja porque tal como tu se desencantaram com a área ou porque apesar de gostarem da área experimentaram outra que gostam tanto ou mais mesmo não tendo formação superior.
ResponderEliminarSe a mim sempre me chateou as opiniões que me davam sobre os planos das nutricionistas me faziam quanto mais a ti que és da área da nutrição. Nesta altura já devia ser do conhecimento básico que o que funciona para uma pessoa não funciona para a outra mesmo que o objetivo seja o mesmo.