22/03/20

Uma questão de tempo


Estou de quarentena há uma semana e dois dias, e, até agora, tudo tem estado bem. Estou bem de saúde e estou bem a nível psicológico – o facto de estar em isolamento e entre quatro paredes ainda não me pôs doida. Nos primeiros dias, o tempo esteve bom, e isso soube bem. O sol parece conferir algum ânimo e alguma esperança. Parece tornar os dias mais fáceis e suportáveis. Até porque pude desfrutar de algum ar fresco na varanda. Passei estes dias, sobretudo, a ler lá fora, a usufruir do sol. Até almocei lá fora, dado o tempo ter estado tão convidativo. Evitei passar os dias de pijamas e vesti roupas frescas, até porque o sol e o calor pediam-no. Também já desenhei um pouco nestes dias, fiz algum exercício, fui ao supermercado uma vez porque assim teve que ser e fiz algumas limpezas aqui em casa. Durante este período, quero poder desenhar muito mais, até porque estou cheia de ideias; quero poder escrever em força, tanto aqui no blog como nas minhas histórias; quero tirar o pó à minha PS4 e jogar alguns dos jogos que estão em stand-by há demasiado tempo; quero pintar os móveis do meu quarto e decidir o que fazer em relação ao meu quarto para torná-lo mais confortável e agradável para mim.

Portanto, está tudo bem. Não encaro este período como um isolamento forçado, como clausura ou como castigo, nem o vivo com frustração. Para mim, não é algo tão anormal, pois já estou tão habituada a estar em casa. Sempre gostei de estar em casa, uma vez que era o único lugar onde podia fazer todas as minhas actividades favoritas – onde podia jogar videojogos, onde podia escrever, desenhar, ler em silêncio, ouvir as músicas de que gostava. Para além disso, estou desempregada, pelo que estar em casa tem sido, infelizmente, habitual.

Mas, como é óbvio, existem grandes diferenças. A primeira é o facto de não poder sair, a não ser devido a extrema necessidade. Não poder estar com o meu namorado – de quem estou a morrer de saudades –, não poder ir tomar um café, não poder ir passear, enfim. A segunda…é que esta é das poucas vezes em que estou em casa e estou de consciência tranquila.



Há uns dias, antes de toda esta crise ter começado, estive para escrever sobre isto aqui no blog. Sobre o facto de ter demasiado tempo livre e de como isto estava a pôr-me doida. Eu estava – e ainda estou, como disse – sem trabalho, mas decidida a começar o meu próprio negócio. E isto estava, de certa forma, a pressionar-me. Estava a passar todas as manhãs a ler qualquer coisa, e todos os dias parecia encontrar algo de novo para ler, para reler ou para estudar, de forma a estar o mais preparada possível na altura em que começasse a trabalhar. Estava nesta pressão estúpida e irreal para que tudo estivesse perfeito na altura de começar, quando, na verdade, é com a prática que as coisas se aprendem e seria com a prática que eu perceberia o que teria que ler e estudar, para além de que, se cometesse asneiras ou se errasse, aprenderia com isso, de modo a fazer melhor das próximas vezes. Para além disso, eu estava, por um lado, ansiosa que as coisas mudassem, ansiosa por começar a trabalhar não só para voltar a ganhar algum dinheiro, mas também para me manter ocupada e para aproveitar melhor o tempo livre que viesse a ter. No entanto, por outro lado, eu estava com medo. Estava aterrorizada por começar, por começar mal, por falhar, por fazer asneiras logo no início, por não saber tudo o que supostamente teria que saber. Todo o tempo livre que tinha e toda a pressão estúpida que sentia faziam com que a minha cabeça fosse buscar todos os pensamentos negativos e mais alguns. Que tudo ia correr mal, que eu não era boa o suficiente, que estava a desperdiçar o meu tempo estando em casa, a ler coisas. Estava, até, a sentir-me culpada e inútil por estar em casa. Mesmo que já tivesse as coisas mais ou menos orientadas na minha cabeça; mesmo já tendo decidido que iria começar e quando iria começar.

A coisa melhorou quando, logo antes desta crise se ter instalado no país, passei uns dias em Lisboa, algo que já andava a planear desde o final do ano passado. Estive com pessoas que não via há muito tempo, arejei a cabeça, fiz coisas diferentes. Depois, no dia de regresso, que foi precisamente o dia em que tudo começou, aos poucos, a mudar, já estava conformada de que teria que ficar em quarentena. Fiquei aliviada e grata por ter conseguido regressar a casa sem qualquer percalço, e, mais do que isso, por ter uma casa para onde voltar e por poder estar em casa, em segurança, durante esta crise, ao passo que muita gente não está a ter essa possibilidade.

Comecei por ver a minha vidinha novamente em stand-by. Tal como tem acontecido ultimamente: sempre que estou decidida a levar o meu próprio negócio avante, acontece qualquer coisa que mo impede. E isto já me parece demasiada coincidência. Chego, até, a pensar que talvez não esteja destinado. Ou que, afinal, eu tenho razão quanto ao facto de não estar preparada para dar esse passo.

Seja como for, e uma vez que, agora, não consigo definir uma data de início da minha actividade profissional, uma vez que tudo depende de quando toda esta crise passará, já não sinto toda aquela pressão sobre mim. E é por isso que tenho a consciência tranquila; é por isso que tenho feito e tenho pensado em todas aquelas actividades que referi. Como disse, não penso nisto como clausura. Para além de achar que é algo necessário, uma questão de bom senso, de consciência e de responsabilidade, prefiro ver isto pelo lado positivo, como a possibilidade de termos tempo para e de darmos tempo a nós próprios.

Se existem lições a tirar de tudo isto – e é claro que existem – é que, em primeiro lugar, isto é karma. Estávamos a destruir o planeta, e ele arranjou maneira de nos atirar a todos para dentro de casa para lhe darmos descanso – embora eu ainda ache que este vírus não seja natural e que tenha sido fabricado. Mas a verdade é que, com isto, os níveis de poluição estão a diminuir, as pessoas estão a ser solidárias, tem havido uma onda de união. As pessoas estão a perceber que têm que se unir e que não podem pensar só em si próprias, e isto é bonito de se ver. A segunda lição é para aqueles que vivem a correr, que não aproveitam o tempo para fazerem o que gostam, que não apreciam verdadeiramente a sua casa e as suas pessoas, que tomavam tudo como garantido. Estas pessoas, estando agora confinadas nas suas casas, (re)aprenderão a dar valor a essas pequenas coisas, a reflectir, a olhar para dentro delas, a fazer coisas que já não faziam há muito tempo – e isto até pode ser o simples facto de passarem tempo em família. Talvez, quando tudo isto passar, retomem as suas vidas enquanto pessoas diferentes, com novos olhares, novas maneiras de estar e de pensar.

Foi-nos dado tempo. No meu caso, em que, devido a uma situação anormal, já estava com excesso de tempo livre e já estava com a vida em stand-by há algum tempo, não sei ao certo que lição posso tirar daqui. Aproveitar melhor o tempo? Não levar tudo tão a sério? Apreciar mais ou dar mais valor ao exterior? Não sei. O que sei é que, agora, cabe a cada um fazer a sua parte e que devemos – aos que ficam em casa – tirar o melhor partido desta fase (não vale a pena desesperar e trepar paredes quando há tanto com que nos entretermos), mantermo-nos seguros, fortes e optimistas, termos esperança, reconhecermos e agradecermos o trabalho de todos aqueles que não podem parar. Esta é só uma fase difícil, que passará. Vamos todos ficar bem. Que passe rápido para que possamos desfrutar novamente do exterior, de todos os espaços, dos convívios, dos afectos. Sem medo. Só espero que, quando passar, não volte tudo ao mesmo.

1 comentário:

  1. Não está fácil para ninguém. Entendo-te bem quando dizes que não te está a custar, eu gosto tanto de estar em casa a fazer as minhas coisas e passei tantos dias de férias fechada em casa que isto é quase o normal para mim.
    Que esta pausa forçada nos obrigue a todos a ser melhores pessoas e decididos a conquistar o que desejamos!

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