Via We Heart It. |
No dia onze
deste mês, estive num concerto. Imediatamente antes desta crise pandémica se
ter instalado e de as nossas vidas terem virado do avesso. Eu não iria
adivinhar. Nem eu, nem ninguém. Já se ouvia falar do vírus, mas nada comparado
ao que se vive hoje, e a vida corria normalmente como sempre, apenas com a
novidade dos cuidados redobrados com a desinfecção de mãos.
Estava quase
certa que o concerto seria cancelado, mas não foi, para meu grande espanto.
Mesmo assim, muitas pessoas decidiram não ir, e eu não as condeno e compreendo
os seus motivos. Eu fui de qualquer das formas, uma vez que isto já tinha sido
planeado há algumas semanas. Eu não vivo em Lisboa nem nos arredores, aliás,
nem sequer vivo em Portugal continental. Pelo que não posso ir a Lisboa sempre
que me apeteça; não posso simplesmente apanhar um comboio ou entrar no carro e
meter-me nas auto-estradas. Eu fui a Lisboa de propósito para ir a este
concerto e a outros eventos que calharam na mesma altura. Ora, se planeara
tudo, se já lá estava e se o concerto iria em frente, eu não ia deixar de ir.
Apesar de tudo isto ser discutível. Talvez tenha sido imprudente não só da
minha parte e de todas as outras pessoas que para lá foram, mas também por
parte da banda, dos produtores, do próprio local do evento. De qualquer forma,
estou ciente do perigo e, assim que regressei a casa no dia imediatamente a seguir, tendo noção da quantidade
de locais a que fui e da quantidade de pessoas com quem contactei durante
aqueles poucos dias, sujeitei-me ao isolamento social. Já lá vão mais de quinze
dias.
Podem
julgar-me. A verdade é que não me arrependo de um único segundo passado no
Capitólio naquela noite. Aliás, o meu grande arrependimento seria estar em
Lisboa e decidir faltar ao concerto.
Os Anathema
tornaram-se numa das minhas bandas favoritas em tão pouco tempo. É tão difícil
explicar porquê ou explicar, a quem não os conhece, quem são, pois aquilo que
fazem é tão único, tão característico. Considero-os incrivelmente talentosos,
e, à medida que fui descobrindo o seu trabalho, no final do ano passado, a
música tocou-me de tal maneira que nem consigo descrever. Tocou-me de uma forma
que uma banda que era nova para mim já não me tocava há imenso tempo. O desejo
de ir ao concerto proveio, como é óbvio, do quanto comecei a adorar esta banda.
Parece que tudo o que fazem é bonito – os instrumentais, a melodia, as letras
das músicas…tudo combina de um modo tão único e harmonioso. E têm trabalhos
mais melancólicos, que é algo que eu adoro também, aquela beleza tão singular e
arrepiante que existe na poesia triste e melancólica. Porém, o que antes não
passava de um grande desejo de os ver ao vivo, acabou por se tornar em algo
muito maior e mais profundo: como uma fronteira entre a “normalidade” e o tipo
de vida que iríamos adaptar dali para a frente. Quase como uma despedida, um até já, à normalidade. Tornou-se como
uma boa memória para reter, para regressar, para dar conforto e consolo durante
este período mais duro. Até porque a música é algo que nos dá esperança,
conforto, força. É das melhores coisas com que podemos contar em alturas como
esta em que nos encontramos agora.
E que memória
tão boa. O concerto foi absolutamente incrível. Houve um pequeno contratempo no
início, problemas técnicos com as duas guitarras, que ainda demorou um pouco a
resolver. Enquanto isso, quando uma delas ficou arranjada, um dos membros da
banda entreteve-nos durante uns momentos. Se esses problemas iniciais não
tivessem ocorrido, eu nunca teria tido o privilégio de ouvir a Are You There?, a primeira música dos
Anathema que ouvi – e a única da qual gostei verdadeiramente na altura, já há
alguns anos –, nem teria juntado a minha voz às outras dezenas de vozes que se
uniram para cantar a plenos pulmões a Wish
You Were Here dos Pink Floyd. Mas, depois disso, e apesar de estar a ser
tão bom, o entretenimento improvisado acabou, para dar espaço à resolução da
situação. Naqueles instantes, que pareceram durar tanto, eu só pensava que, em
vez de terem cancelado o concerto devido à pandemia, iriam cancelá-lo de
qualquer forma, mas devido a problemas técnicos. Mas tudo acabou por se
resolver e o concerto foi em frente.
O propósito
do concerto foi assinalar o décimo aniversário do álbum We’re Here Because We’re Here, um dos meus favoritos. Estava, por
isso, à espera que o tocassem na íntegra, e foi o que aconteceu. A Dreaming Light, em especial, que é a
minha preferida do álbum, foi um momento mágico. Depois disso, de um álbum
completo tocado ao vivo e sem interrupções, vieram outras músicas, umas mais
animadas para nos porem aos saltos, outras mais melancólicas, mas sempre
acompanhadas por vídeos ao fundo, que é algo que eu gosto imenso de ver nos
concertos e que acho que os enriquece imenso. A banda não interagiu tanto com o
público como eu esperava que fizesse, mas mostrou-se muito divertida, enérgica,
simpática e bem-disposta. Por mais de uma vez referiram que seria muito
provável que a restante digressão fosse cancelada e que aquele fosse o último
concerto, e por isso queriam que fosse memorável, pelo que se fartaram de puxar
pelo público, que lhes retribuía de bom grado e sem esforço. Toda a gente me
parecia feliz.
Depois de
terem tocado todas as músicas do álbum, eu não sabia o que esperar, pelo que me
deixei surpreender com as escolhas da banda. Gostei especialmente de ouvir Can't Let Go, Distant Satellites e Springfield
– esta última eu não esperava, e foi uma óptima surpresa, pois gosto mesmo
muito dela. Closer não foi
propriamente uma surpresa, pois estava desconfiada que fossem tocá-la – e foi
aquele momento de “discoteca” num concerto de metal que sabe sempre bem. E
também já estava a prever A Natural
Disaster, que, ao que parece, nunca falta num concerto deles, mesmo que
seja uma das músicas de que menos gosto, nem sei dizer porquê. Mas foi muito
giro ouvi-la ao vivo, e isto porque pediram-nos para usarmos as lanternas dos
telemóveis – Usem as vossas baterias em
nome do metal!, disseram, e o tom
em que o disseram teve mesmo piada –, e eu gosto tanto quando isso acontece.
Adoraria ter ouvido The Beginning and the End, Flying e One Last Goodbye, mas tal não se verificou. Talvez numa
próxima.
Seja como
for, no entanto, passei a noite inteira à espera da Untouchable,
a minha favorita de todas, e já estava a começar a conformar-me de que não
iriam tocá-la e que eu não iria ficar triste por causa disso. Mas tocaram-na.
Foi a última de todas, a melhor de todas no final, e eu fiquei mesmo contente
quando ouvi aqueles primeiros acordes sem terem dado qualquer indicação antes.
Foi mesmo a melhor surpresa de todas, e foi outro momento mágico. Toda a gente
cantou, e isso foi tão bonito. Até cantaram um verso quando não era suposto –
não era naquele momento, era mais à frente –, mas a banda nem se importou com
isso e até incentivou o público a continuar, ficando tipo Pronto, pode ser, o que foi tão engraçado também. Depois, no final,
ainda continuámos a cantar, uns oh-oh’s
com a melodia da minha música favorita, as vozes a encherem o espaço, como se
estivéssemos todos unidos, e com a banda parada a olhar para nós, todos a
sorrir, de tão satisfeitos. Acho que teríamos cantado muitos mais oh-oh’s pela noite fora, por não
querermos que aquilo chegasse ao fim. Quando acabou, foi mais do que visível a felicidade e a satisfação deles, até porque disseram, todos contentes, que mesmo apesar dos problemas iniciais e de o concerto ter começado mais tarde, conseguiram tocar tudo.
Quero também
destacar as bandas de abertura, que foram muito boas surpresas, apesar de tão
diferentes uma da outra. A primeira era um projecto acústico e fiquei tão
encantada com aquelas melodias tão suaves, achando que seriam tão boas de ouvir
em momentos calmos. A segunda era uma banda mais pesada, que me pareceu
interessante, com muita energia e boa-disposição. Irei, sem dúvida, espreitar e ouvir melhor os trabalhos de ambas.
Diverti-me
imenso, cantei muito, pulei, aplaudi e sorri muito. Foi, sem dúvida, uma noite
memorável e que me deu ânimo, força, optimismo e esperança para enfrentar este
período mais duro.
Setlist:
Crestfallen (Acoustic)
Are You There? (Acoustic)
Wish You Were Here (Pink Floyd cover)
Thin Air
Presence
A Simple Mistake
Get Off, Get Out
Universal
Hindsight
Can't Let Go
The Lost Song, Part 3
Springfield
Closer
Distant Satellites
A Natural Disaster
Untouchable, Part 1
Untouchable, Part 2
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