Saga Mistborn, de Brandon Sanderson

Composta pelos livros O Império Final, O Poço da Ascensão e O Herói das Eras, a saga Mistborn (em português, Nascida nas Brumas) tornou-se numa das melhores trilogias que já li. Antes de falar propriamente no enredo, tenho mesmo que falar no cenário em que este se insere, pois só isto já a difere das outras trilogias.

1 – O mundo

Trata-se de um grande império onde o sol é vermelho e onde cai cinza do céu, que se acumula na terra e sobre as plantas, que são castanhas em vez de verdes. À noite, surgem brumas, que impedem a visão das estrelas e do céu nocturno e das quais as pessoas têm medo, o que as leva a refugiar-se em qualquer sítio, com receio de serem “levadas” e de nunca mais regressarem.

2 – A sociedade

Está dividida em dois grandes grupos: os nobres e os skaa. Os nobres, como o próprio nome indica, têm poses e grandes casas, não passam por necessidades e entretêm-se a dar e a ir a bailes. Os skaa são camponeses ou trabalhadores, vivem nas ruas ou em bairros de lata, passam fome e frio e levam a vida a caminhar de olhar vazio e cabisbaixo e a arrastar os pés, tristes e sem esperança, como se carregassem o mundo às costas. Alguns varrem a cinza que cai do céu. Alguns são ladrões. Alguns são mendigos.

Esta sociedade e o império são governados por um tirano conhecido como Senhor Soberano, respeitado pelos nobres e temido pelos skaa.

3 – A alomância

É comum os livros de fantasia incluírem magia, e estes não são excepção. Aqui, a magia dá pelo nome de alomância. É a chamada “magia dos metais”. As pessoas que a detêm – e que se chamam alomantes – usam os metais para obterem os “poderes mágicos”. Existem oito metais básicos e cada um confere uma dada capacidade. O peltre, por exemplo, torna a pessoa fisicamente mais forte, mais rápida e menos cansada; o estanho, por sua vez, amplifica os sentidos, permitindo que a pessoa veja e ouça de uma maneira fora do vulgar. Os alomantes usam estes metais e obtêm poder deles ingerindo contas em solução alcoólica.

No entanto, alomantes normais só conseguem obter poder de um metal. São os chamados brumeiros. Aqueles que conseguem usar todos os oito metais básicos são considerados nascidos nas brumas.

Para além destes, existem outras personagens interessantes: os colossos, brutamontes concebidos para matar e destruir; os inquisidores de aço, que funcionam como sacerdotes do Senhor Soberano e cuja figura é estranha e perturbadora e um pouco difícil de imaginar; e os kandra, que funcionam como espiões, uma vez que se podem transformar noutra pessoa e tomar o seu lugar, desde que esta esteja morta.

Com estes três ingredientes, ficamos com um background fantástico e muito original, diferente de todos os outros livros.

E, com isto, passemos ao enredo. Um homem chamado Kelsier, nascido nas brumas, quer destruir o Senhor Soberano e livrar o mundo do terror e da opressão que dele advêm. Para isso, reúne um grupo de brumeiros seus conhecidos e delineia um plano louco e ambicioso. Recruta, ainda, uma jovem skaa chamada Vin, órfã, que vive nas ruas e que faz parte de um bando de ladrões do submundo da cidade, onde é mal tratada e constantemente espancada. Mas que possui algo de especial. Ela própria sabe que o tem, embora não saiba do que se trata. Mas Kelsier sabe que é alomância. E, logo nos primeiros dias após Vin se juntar ao grupo, ela descobre que é nascida nas brumas, tal como Kelsier. Este treina-a na arte da alomância, transformando-a numa alomante poderosa.

No que toca ao plano para a destruição do Senhor Soberano, cada membro do grupo tem uma função específica, e a função de Vin é, de longe e na minha opinião, a mais interessante de todas: fingir que é uma nobre e infiltrar-se nos bailes, de modo a confraternizar e a criar contactos, para saber as intrigas e os enredos entre as diferentes casas nobres. Adorei esta tarefa que lhe foi imposta, e isto porque sempre gostei, em histórias, desta questão dos bailes – influências de Disney, só pode. E a forma como o autor os descreve, com as decorações das salas, as janelas de vitral, os vestidos e tudo o mais, está simplesmente maravilhosa e cativante.

Uma outra coisa que destaca esta trilogia é o final do primeiro livro. Isto pode ser considerado SPOILER, mas tenho mesmo que referir. Normalmente, em histórias deste género, o vilão só é derrotado no final do último livro, portanto, tudo leva a crer que o plano para a destruição do Senhor Soberano se vai arrastar até ao terceiro livro, mas não é o que acontece. Ele é derrotado no primeiro livro, pelo que os seguintes respondem à questão de o que fazer a seguir ao vilão ser destruído. A tentativa de se restabelecer a ordem e de criar um novo governo e aquilo que pode acontecer depois de o vilão ter desaparecido é algo que os outros livros não costumam mostrar.

Para além disso, há sempre uma citação em itálico e na primeira pessoa no final de cada capítulo, e o facto de ser em itálico remete para os pensamentos de uma personagem ou para uma citação num livro ou numa carta. O facto é que não se sabe quem os escreve e parecem citações soltas, ao início. Nem sequer sabemos o que fazem ali. E aí é que está o mistério e a beleza da coisa. Com o avançar da história, percebemos que estão interligadas e começamos a descobrir mais pistas. Não só sobre que personagem as terá escrito, mas também sobre a própria história e sobre o universo da saga. De facto, estas citações-mistério revelaram imenso acerca da história e mostraram como todas as suas peças se encaixavam. E, ah, como se encaixavam tão perfeitamente! Adorei ler estas citações, porque cada uma era uma pista ou uma revelação. E mostravam como tudo fazia perfeito sentido, explicavam as razões de tudo ser como é. Dei por mim a querer terminar os capítulos só para poder ler mais uma. E tiro o chapéu ao autor por ter tido esta ideia brilhante, que resultou tão bem.

Por falar no autor, é daqueles cujas palavras leio e penso Quem me dera escrever como tu. Adorei a forma como descreve as coisas, tanto os lugares, como as cenas de acção, como as lutas interiores das personagens. Os livros são narrados na terceira pessoa, mas o narrador não é sempre o mesmo. Isto é algo a que já me habituei doutros livros e que me agrada bastante, uma vez que não se torna tão monótono e passamos a conhecer melhor as outras personagens. E, já que falamos em personagens, estão todas muitíssimo bem construídas e conseguidas, com personalidades e características muito próprias e muito vincadas. Identifiquei-me bastante com a Vin, que no início era super desconfiada e reservada. Não era capaz de confiar nas pessoas, por achar que, mais tarde ou mais cedo, seria traída ou abandonada. E sim, é com esta parte que me identifico. Com o passar do tempo, ela acaba por mudar e por se tornar numa mulher confiante, forte e poderosa. Oh, e ela e o seu parzinho amoroso são a coisa mais fofa de sempre. Para mim, foi um dos casais – se não mesmo o casal – mais giros e fofinhos do universo literário.

Outra coisa de que gostei bastante foi saber que o verdadeiro vilão ia muito além daquilo que se pensava inicialmente, mas não me vou alongar nesta questão, pois corro o risco de dar mais spoilers. E, ainda, gostei mesmo muito de se incluírem alterações climáticas no livro e de estas se relacionarem com o fim do mundo. Até hoje, nunca li um livro que abordasse esta questão, e gostei que isto estivesse aqui incluído, porque, apesar de serem livros de fantasia, é um tema bastante actual e que passa a fronteira para o nosso próprio mundo.

O final da saga surpreendeu-me, uma vez que achei que terminaria de outra forma. Pensei em dois finais possíveis, completamente opostos, os dois extremos de um espectro. No fim, não acabou nem de uma forma, nem de outra, o que foi uma surpresa. Uma boa surpresa, na verdade, já que não sou fã de histórias previsíveis. Gostei de como terminou.

Em relação ao Herói – o aclamado Herói das Eras, que dá título ao último livro da saga –, desconfiei de quem seria, numa dada altura, mas não quis acreditar. Nem mesmo quando houve a confirmação. Contudo, agora, vendo a história como um todo, reconheço o quanto foi bem pensado e como fez todo o sentido ter sido assim.

Dou, a esta saga, nota máxima em qualquer sistema de classificação. Muitíssimo bem escrita, com um enredo complexo e cativante, que ocorre em diversos lugares ao mesmo tempo, espectacularmente bem construído, com peças que se ligam e que fazem perfeito sentido, e personagens mesmo bem conseguidas e que ficam connosco no coração. Adorei.