Lê-se Let me be the sun in your world of darkness. Acho que não ficou assim tão perceptível. |
"Setembro
Amarelo” é o nome de uma campanha brasileira de prevenção do
suicídio. Comecei a ouvir falar disto no ano passado. Sigo algumas
artistas plásticas brasileiras – especialmente de lettering
– no Instagram, e é comum, nesta altura do ano, fazerem um ou
outro trabalho relacionado com este tema. Devido a esta onda do
“Setembro Amarelo”, de ver diversos trabalhos e publicações
acerca de depressão e de prevenção do suicídio, também eu me
senti inspirada a desenhar a frase que ilustra esta publicação e a
escrever isto.
Costumo
refugiar-me na música quando estou triste. Passei a fazê-lo nos
meus piores dias. Não gosto de dizer que foi depressão –
estupidamente ou não, não sinto que “tenha o direito” de lhe
chamar assim –, uma vez que não cheguei ao ponto de tomar
medicamentos e que não foi profunda ao ponto de não me conseguir
levantar da cama – embora tenha tido dias de folga em que, sim,
passei horas e horas deitada, sem conseguir fazer o que quer que
fosse. Mas foi como se tivesse estado “no início de” ou lhe
tivesse “passado à tangente”. Isto posso dizer com toda a
certeza.
Como
disse, refugiava-me na música. Fazia-me sentir melhor. Nos piores
dias, gostava, principalmente, de ouvir Draconian, Estatic Fear,
Trees Of Eternity – cujo álbum ouvi vezes e vezes sem conta – ou
Amorphis. Apenas para ter aqueles ritmos sombrios e melancólicos a
ressoarem-me nos ouvidos. Depois, a certa altura, voltei a ouvir
Evanescence, que tinha sido, durante anos, a minha banda favorita.
Hoje, após ter voltado a ouvi-los, volto a dizer que são a minha
banda favorita. Isto porque, desta vez, ouvi-os mesmo.
Pareciam descrever o meu estado no momento e pareciam dar voz aos
meus pensamentos. Deram-me força e puxaram-me para cima, mesmo
quando aquilo que diziam através da música me dava vontade de
chorar, por se adequar tão bem àquilo que sentia.
A
frase que desenhei é, de facto, de uma música deles, Give
Unto Me. Depressiva como tudo e triste até mais não.
É como se fosse dedicada a alguém a passar por uma escuridão,
muito provavelmente bem mais profunda do que a minha. A Amy, a
vocalista, diz na canção que quer curar e salvar essa pessoa e
pede-lhe que lhe “dê” todos os seus problemas e tudo o que a
preocupa e a assusta. Na verdade, alterei um pouco a frase para que
pudesse desenhá-la, uma vez que a frase original é Let it be the
sun, sendo que o it se refere ao verso anterior da canção.
Eu substituí o it por me, de forma a que seja uma
mensagem para alguém. Let me be the sun in your world of
darkness. Acho que se adequa. Porque quem está perdido e
desesperado numa escuridão só quer um sol que o ajude, que o guie.
Que esteja lá. Alguém com quem contar.
Acho
bonitos os relatos daqueles que lutaram contra uma depressão por
terem tido o apoio de pessoas; por terem tido pessoas com quem
contar. Não, desta vez não estou a ser irónica. Acho mesmo bonito.
Acho bonito existirem sóis na vida das pessoas, especialmente na
vida de pessoas que vivem na escuridão. E acho principalmente bonito
porque tudo o que eu quis, nos meus dias mais sombrios, foi um sol. E
não o tive.
Eu
não conseguia expressar-me. Sempre tive dificuldade em fazê-lo, e,
nessa altura, em que nem sequer percebia como me sentia ou o porquê
de me sentir assim, foi ainda pior. Não fui capaz de dizer às
pessoas, próximas ou nem tanto, que detestava o meu trabalho, que
estava arrependida de ter tirado o meu curso, que tinha o coração
partido em pedacinhos, que achava que não tinha valor algum, que não
me sentia bem na minha própria casa. Entre tantas outras coisas.
Tinha medo e vergonha de dizer estas coisas; achava que estaria a
cair no ridículo se as dissesse ou se pedisse a alguém que me
ouvisse. Sim, porque o estranho e o pior disto tudo era que não
queria falar, mas, ao mesmo tempo, queria. Porque queria que
soubessem o que eu estava a sentir por dentro, que estava a travar
uma batalha lenta e dolorosa com a minha própria mente, e eu estava
em clara desvantagem. Em vez disso, era mais fácil pôr uma máscara
diária e dizer que estava tudo bem. E, contudo, por não conseguir
dizer as coisas em voz alta, expressava-me através da arte,
escrevendo longos textos no meu antigo blog ou desenhando bonecas
tristes com frases depressivas a acompanhá-las.
Algumas
pessoas repararam nestes sinais, notando que as coisas não estavam
bem. Essas pessoas falaram comigo e pediram-me que falasse com elas
sobre isso, mas era sempre complicado para mim. Às vezes, confesso,
em vez de me pedirem que desabafasse, preferia que me arrastassem de
casa, que puxassem por mim e que me distraíssem, recordando-me do
quanto a vida podia ser bonita. Ou que apenas me abraçassem e dissessem que ia ficar tudo bem. Mas essas pessoas vivem longe. Não
foram, por isso, sóis, mas antes estrelas distantes.
Agora
talvez venha a parte em que pessoas que me conhecem pessoalmente, que
convivem comigo de vez em quando e que estejam a ler isto dizem que
não sabiam de nada disto e que eu devia ter dito alguma coisa. Mais
uma vez, digo que não foi fácil. Não é fácil dizer-se o que se
passa, principalmente quando não se compreende, e, em especial, a
quem está de fora e a quem nunca passou por algo semelhante. E não
é fácil reconhecer que se precisa de ajuda. Menos fácil ainda é
pedir ajuda.
Estados
destes não são “normais”, não são “fases” e não são
desculpas que usamos para chamar a atenção. Muito menos é “moda”;
enerva-me tanto – sinto mesmo um acesso de raiva a crescer dentro
de mim – quando ouço dizer que Parece que é moda ter-se
depressão, ou quando perguntam se a depressão será mesmo uma
doença. Isto não é estar-se triste, chateado ou em baixo por causa
de algo que acontece no momento. Coisas destas, que acontecem no
momento e mexem connosco, depois passam e já nem nos lembramos delas
– às vezes até nos rimos por termos ficado tão chateados por uma
coisa que, olhando para trás, era mínima. Não é algo do momento;
não é algo que surge da noite para o dia. As coisas acumulam-se. Ao
ponto de não se encontrar alegria na vida, de não se ter esperança
alguma, de se perder a vontade de viver, de se perguntar, com as
lágrimas a escorrerem pela cara, o porquê de se estar aqui, vivo,
pois cada novo dia é como se fosse um sacrifício. É o deixar de se
conhecer e odiar-se a si próprio. É uma frustração para com o
rumo que a vida tomou. Como se eu tivesse sido atirada para o fundo
de um poço e houvesse uma mão gigantesca a manter-me lá em baixo.
E, sempre que a mão estava distraída ou enfraquecida por algum
motivo, eu tentava subir um bocadinho. Mas ela notava o meu
movimento, a minha audácia, e voltava a esmagar-me. O pior era que
ela não se limitava a esmagar-me; dizia-me coisas, obrigava-me
a ouvir coisas: as piores coisas que ela podia dizer sobre mim. E
isso também doía. Isso e o esmagamento provocavam um sofrimento
demasiado grande.
O
inimigo é a própria mente. Não é um corpo estranho que se possa
combater, nem é um órgão nosso que decidiu virar-se contra nós. É
a nossa mente, um conceito abstracto. Talvez seja por isso que a
depressão não é levada tão a sério. Talvez seja por isso que
haja tão pouca compreensão.
Não
consegui falar com amigos ou familiares sobre o assunto. Houve vezes
em que levei com desculpas de falta de tempo por parte de amigos.
Houve vezes em que levei com frases do género Por que é que
estás assim? Anima-te!, principalmente por parte de familiares –
e isto, acreditem, é das piores coisas. Cheguei a procurar ajuda
profissional, mas tal não se revelou suficiente. Sei, contudo, que a
culpa foi maioritariamente minha, pois eu é que não consegui ser
completamente honesta. Mais uma vez, tive medo e vergonha, até de
falar com uma desconhecida, com uma profissional.
Não
vou mentir; ainda tenho estes momentos, embora sejam bem mais raros.
Para reduzir a frequência dos dias negros, para aligeirar ou escapar
da força esmagadora da mão que me prendeu ao fundo de um poço e
para calar as vozes da minha mente, tentei encontrar o meu próprio
sol no meu mundo de escuridão. Ainda estou neste processo, contudo.
Ainda tento definir melhor as raízes dos meus problemas e ainda
tento trabalhar na redescoberta de mim mesma e na questão do
amor-próprio. Nada disto é fácil. Muito pelo contrário.
Deixo
apenas o conselho de não encararem a depressão como algo leviano,
como uma “moda” ou como algo para chamar a atenção. Não
descurem um amigo que precise de falar; a desculpa da falta de tempo
já está demasiado gasta e, honestamente, já nem sequer é válida.
O tempo arranja-se, e arranja-se para o que é realmente importante.
Atentem a pequenos sinais, pois nem toda a gente é capaz de pedir
ajuda e pode encontrar outras formas de dizer que não está bem.
Sejam sóis uns para os outros. As coisas podem tornar-se bem mais
suportáveis assim.
Para
terminar – eu sei que escrevo textos muitos longos –, deixo-vos
um pequeno vídeo da Organização Mundial da Saúde, bastante
elucidativo no que respeita a este tema e que ilustra muito bem
aquilo que eu já senti.
A saúde mental é tão importante quanto a física. É uma pena que nem todas as pessoas pensem assim.
ResponderEliminarNunca estive perto de uma depressão mas em dias menos bons a música, especialmente a "barulhenta", são o meu escape para relaxar.
ResponderEliminarE não entendo como as pessoas falam da depressão como se fosse algo inventado, não nos dias de hoje com tanta informação.