O
Verão passou a ser a estação de que menos gosto
Havia
dois motivos para o Verão ser a minha estação do ano preferida.
Um: era época de férias – daquelas férias mesmo grandes. Dois:
era época de ir imensas vezes à praia, e eu costumava adorar praia.
Creio
que foi na minha viagem a Amesterdão, que já tem uns anitos, que
comecei a gostar mais das estações frias. Estive lá num mês de
Setembro. Ora, ainda é Verão em Setembro, suposta e oficialmente.
No entanto, em Amesterdão, parecia que o Inverno já se tinha
instalado. Não sei se isto por lá é normal nessa altura do ano ou
se foi uma excepção e eu tive azar no que toca ao estado do tempo,
mas estava mesmo imenso frio para meados de Setembro.
Não
me queixei do frio nem do mau tempo, e apenas lamentei o facto de não
ter levado roupa mais quente. Este imprevisto não fez com que não
aproveitasse ou não gostasse da viagem, muito pelo contrário.
Aliás, foi precisamente nestes dias que notei um certo encanto no
facto de estar frio.
As
pessoas não se importavam com o frio ou com a chuva. Andavam nas
suas bicicletas como se nada fosse; como se o dia estivesse “normal”.
E faziam-no com os seus longos sobretudos, com os seus cachecóis
grossos e quentinhos, com os seus gorros. Achei tão elegante ver os
locais assim, a andar de bicicleta com as suas roupas quentes de
Inverno; foi como se, para mim, aquele tipo de roupa, que eu
costumava não gostar por me deixar agoniada e por mal me conseguir
mexer tais eram as camadas de tecido por cima de mim, se tornasse
mais bonita. E elegante, e citadina, e quase como que “chique”.
Mas
não foi apenas isso. O frio pedia espaços quentes, e cafés
acolhedores, e bebidas quentes a aquecerem-nos as mãos. Já há
muito tempo que sou apreciadora de chá e das mais variadas bebidas
quentes com café, tanto que as prefiro – de longe – às bebidas
frias, sejam elas típicas do Verão ou não. Soube-me tão bem ter
um copo de cappuccino nas mãos enquanto esperava na fila para
entrar no museu Van Gogh, ou tomar um chocolate quente assim que
entrava no hostel, ou passar um tempinho entre visitas num café,
abrigada da chuva e protegida contra o frio.
Os
meus dois últimos Verões foram os piores que já tive. Acho que
isso fez com que deixasse de gostar dessa estação. Cansei-me
demasiado do calor, da claridade ofuscante e dos dias longos demais.
Considerando
isto e os meus gostos pessoais, cheguei à conclusão de que as
restantes estações do ano têm mais a ver comigo. No Verão,
agrada-me não ter que pensar muito naquilo que vou vestir e que
possa pôr apenas um vestidinho ou um macacão simples – felizmente
não tenho complexos nenhuns no que toca ao corpo –, mas acho a
roupa do tempo mais frio bem mais bonita e elegante, tanto que
recentemente descobri a minha adoração pelos casacos de Inverno. O
bom tempo e o calor sabem bem, e, com eles, um passeio pela natureza
ou por algum lugar desconhecido ou uma tarde na esplanada, mas o
calor em demasia é sufocante, e os próprios dias de sol radioso,
quando muito frequentes e a seguir uns aos outros, acabam por me
cansar. Nos dias mais frios, agradam-me os dias de chuva em que posso
ficar em casa, pois a própria chuva convida-nos a ficar em casa. E,
com isto, vêm as maratonas de episódios, as tardes ou os serões de
filmes, a leitura compulsiva no sofá. Estas coisas não me sabem
assim tão bem no Verão, porque o sol e o calor parecem “obrigar-me”
a sair de casa para aproveitar o ar livre. Para além disso, quando
os dias estão mais frios, tudo isto vem com o bónus delicioso de
ser acompanhado por uma manta e uma grande caneca de chá bem quente.
Como se estas coisas não bastassem, ainda existem os cafés
acolhedores, tão aconchegantes e convidativos nesta altura do ano,
nos quais sou capaz de perder horas, tanto acompanhada, quanto
sozinha. Tomar uma bebida quente num espaço destes –
preferencialmente com algo doce a acompanhar – aquece-me o coração,
e não apenas por as bebidas serem deliciosas.
Para
além de tudo isto, ainda há as mudanças na paisagem. Uma coisa que
eu não noto, e que até me entristece, no lugar onde vivo, é
precisamente isto, as alterações. Parece que tive que partir em
viagens para notar, admirar e maravilhar-me com a mudança das
estações na sua plenitude. Estive no Canadá numa Primavera e vi as
árvores repletas de flores – as chamadas cherry blossoms.
Estive, ainda há pouco tempo, por Lisboa e pelo Porto e foi raro não
ver uma árvore que não tivesse folhas vermelhas, alaranjadas ou
douradas, bem como não vê-las pelo chão. Já quando vivi no Porto
não pude deixar de notar este tipo de mudanças; havia sempre
árvores ao longo do caminho que fazia a pé, pelo que era impossível
não reparar.
Mas
é demasiado estranho eu viver numa terra repleta de árvores e não
ser capaz de notar nada de diferente. Parece que se mantêm sempre
verdes, como se o tempo não passasse por elas, não passasse por
aqui. Eu apenas tinha consciência da mudança das estações e do
próprio passar do tempo devido às mudanças na temperatura e ao
número de horas de luz solar diárias. Agora que escrevo isto, para
além de estar a sentir que isto é demasiado estranho e algo
estúpido, pergunto-me se não terei andado a dormir durante estes
anos todos, completamente fechada e alheia ao mundo em redor. Se
assim foi, perdi demasiado. Mas acho que nunca é tarde para acordar.
Por
isso, embora continue a gostar do sol e de algum calorzinho para
poder aproveitar o ar livre, os longos passeios, a natureza, as
esplanadas e as sombras das árvores, consigo admitir, finalmente,
que as estações mais frias têm o seu encanto. Agora, só me falta
ir à neve.