23/11/18

Trilogia Delirium, de Lauren Oliver

Se o amor fosse uma doença, aceitarias a cura?. Esta pergunta é o ponto de partida para esta trilogia, e foi a questão que me fez querer ler Delirium, o primeiro volume. Quando a vi, achei que era uma pergunta demasiado difícil de responder. Porque, quando se trata de doença, o que mais queremos é que desapareça, certo?

A história passa-se nos Estados Unidos, mas num mundo pós-apocalíptico, no século XXII. O amor é considerado uma doença. Tem um nome – amor deliria nervosa (adoro, por acaso) –, tem sintomas e tem um tratamento. Todos os cidadãos, ao completarem dezoito anos, são submetidos a este tratamento, um procedimento cirúrgico que os curará da doença do amor, tendo esta já se manifestado ou não. Tudo começou quando o amor começou a tomar conta das pessoas, levando-as como que a delirar, a cometer loucuras, e até mesmo a matar – a elas próprias ou a outros. Considerou-se que era a causa de todos os problemas da humanidade. Pelo que se começou a achar que, sem amor, as pessoas podiam viver de forma mais ordeira, estável e segura. Com isto, viria também o conforto e, em última instância, a felicidade.

Antes da cura, no entanto, os jovens têm ainda que passar por um outro processo, designado por avaliação, em que lhes são feitas perguntas e eles são avaliados consoante as suas respostas, obtendo uma determinada pontuação. Consoante as pontuações, cada dois jovens, um rapaz e uma rapariga, são “emparelhados”, ou seja, é criado um par. Estes dois jovens emparelhados, mesmo que não se conheçam, têm que, depois de curados do amor, se casar um com o outro, ter filhos e viver a dois. Têm apenas a opção de irem, ou não, para a universidade depois do procedimento cirúrgico; mas, depois de concluída esta etapa, são obrigados a casar.

Assim, depois de curados, os jovens deixam de sentir amor. No entanto, amor não é apenas aquele amor romântico entre homem e mulher, e a autora fez questão de deixar isto bem claro, o que me agradou. Implica, também, o amor entre amigos, entre familiares e, até, o amor pela própria vida, por tudo o que esta nos dá. As pessoas, após o tratamento, tornam-se autênticos zombies, apáticos e indiferentes, de olhares vazios e de movimentos mecanizados. Esquecem-se de tudo o que aconteceu antes da cura, como se os anos anteriores a ela tivessem sido uma vida passada, e é como se deixassem de sentir qualquer emoção. Deixam de as demonstrar, pelo menos. Quase que deixam de sorrir. Convivem com as pessoas - mesmo com os respectivos cônjuges - porque assim tem que ser, e não por gostarem delas, até porque deixa de existir o acto de gostar. Vivem focadas em ter filhos, na sua casa e no seu trabalho. Deixam de fazer coisas de que gostavam antes de serem curadas, até porque nem se lembram de alguma vez as terem feito. Portanto, deixam de sentir prazer e alegria em relação às coisas que antes lhes davam estas sensações. Até o simples acto de cantar ou de dançar se torna proibido neste mundo – e, caso aconteça, significa que a cirurgia não funcionou devidamente.

Mas o cenário não fica por aqui. Todas as cidades dos Estados Unidos são cercadas por muros ou por vedações, de modo que as pessoas desconhecem que existe um mundo para lá delas e nunca verão mais nada para além do sítio onde nasceram. Existe um recolher obrigatório e patrulhas nas ruas. A electricidade é quase um luxo, sendo o seu uso bastante ponderado e sendo esta usada só para o estritamente necessário. As pessoas, especialmente as não curadas, são constantemente observadas. Quem contrai a doença do amor ou quem é considerado um “simpatizante” para com o movimento de que se devia amar livremente ou que encobre as pessoas contagiadas pela doença vai preso ou é executado, e é visto com muitos maus olhos pela sociedade. Para além disso, só podem ler livros aprovados pelo governo e ouvir música igualmente aprovada. Muitos livros e muitas canções foram censuradas pelo governo, especialmente os que conhecemos nos dias de hoje, que falam sobre o amor. Temos como exemplo a All You Need Is Love, dos Beatles, que é referida no segundo volume da trilogia.

Um mundo de pesadelo, portanto. Mas os jovens crescem a ouvir histórias terríveis sobre o amor e acreditam piamente que, de facto, a cura poderá dar-lhes a segurança, a estabilidade, o conforto e a felicidade que tanto anseiam. Assim pensa Lena, a protagonista da história. Lena mal pode esperar pelo dia da sua cirurgia, principalmente porque se recusa a ter o mesmo destino que a mãe, que morreu vítima de amor deliria nervosa.

Mas tudo começa a mudar quando Lena conhece Alex.


Alex é como um abre-olhos para o mundo de Lena. Com ele, Lena vê, descobre e sente coisas que nunca tinha experienciado e que nem sabia que existiam. Ela começa a sentir os sintomas iniciais de amor deliria nervosa e considera que Alex lhe contraiu a doença. Começa a apaixonar-se, e ele por ela. A partir daí, toda a sua visão do mundo começa a mudar e tudo o que ela sempre conheceu e em que sempre acreditou começa a levantar dúvidas, e tanto Alex como Hana, a sua melhor amiga, que sempre teve um pensamento crítico e algo rebelde em relação à sociedade em que vivem, contribuem para tal.

Alex mostra-lhe não apenas o que é o amor e a felicidade que este é capaz de trazer, mas também que existe vida para lá da vedação que circunda a cidade onde vivem. Mostra-lhe que existem pessoas a viver ali, nas chamadas Regiões Selvagens, sem cidades, sem vedações e sem todas aquelas regras que Lena cresceu a aprender e a vivenciar. Mais importante, que essas pessoas, conhecidas como os Inválidos, são livres. Livres para escolherem o seu caminho e livres para amar. São pessoas que não foram curadas da amor deliria nervosa e que fugiram das suas cidades para viverem livremente, porque escolheram o amor.

E Hana mostra-lhe que há muito mais para além daquilo que o governo aprova e permite, acabando por levar Lena às chamadas “festas ilegais”, onde grupos de jovens não curados se juntam depois da hora do recolher obrigatório, para conviverem uns com os outros, sem a separação entre géneros, para dançarem e divertirem-se e ouvirem música não aprovada, com palavras e ideais proibidos.

Com o passar do tempo, Lena começa, assim, a questionar o mundo em que vive, a sociedade e as regras que lhe foram impostas, e começa a recear o dia da sua cirurgia, outrora tão aguardada. Especialmente devido ao seu amor por Alex, que cresce cada vez mais, e à sua recusa em perdê-lo. Tanto que, a certo ponto, ela e Alex começam a planear a sua fuga para as Regiões Selvagens. E, ao mesmo tempo, Lena vai desvendando cada vez mais segredos e mentiras, não só sobre o seu mundo, como também acerca da mãe.

Não posso alongar-me mais, pois, caso contrário, acabaria por contar toda a história. Mas espero ter sido o suficiente para aguçar a curiosidade. E isto é apenas a introdução.


É especialmente sobre isto que fala o primeiro livro da trilogia, Delirium, que está mais dentro de um género drama/romance. Os outros dois, Pandemonium e Requiem, não chegaram a ser traduzidos para português, mas fiquei tão curiosa em relação ao resto da história, que resolvi lê-los em inglês (nunca tinha lido livros em inglês).

O segundo e o terceiro volumes são bastante diferentes do primeiro. São acção do início ao fim; são perseguições, fugas, lutas por sobrevivência e por aquilo em que se acredita, revoluções...e algumas mortes também. São um movimento constante, e até a forma como estão escritos é diferente. Em Pandemonium, os capítulos são alternados entre o Antes e o Agora; já em Requiem, temos capítulos narrados pela Lena e outros pela Hana. Até na escrita da autora notei diferenças, mas penso que isso talvez se deva ao facto de ter lido estes dois livros em inglês. Confesso que não gostei muito da escrita no primeiro livro, pois achei-a como que demasiado adolescente, num tipo de linguagem a que estou cada vez menos habituada. Gostei muito mais de ler o segundo e o terceiro livros; parecia que, em inglês, a escrita era mais madura e, até, mais bonita. 

O primeiro e o segundo volumes acabam bastante bem, com aqueles típicos finais em aberto que nos aguçam bastante o apetite para o que virá a seguir. Só gostava que o final da trilogia tivesse sido mais desenvolvido. Ficaram algumas perguntas por responder, e deu-me, até, a sensação de que a autora estava com alguma “pressa” em terminar o livro.

Toda a história tem um clima pesado e triste, e não me deixou indiferente. Apesar de pura ficção, acho que é quase impossível não nos tocar e afectar de certa forma. A mim, fez-me impressão e chocou-me. E talvez tenha gostado muito por esse mesmo motivo. Gosto sempre de histórias que me toquem e que mexam comigo de certa forma, e gostei imenso de cenário e do conceito, de toda a sua originalidade - e até gostei do facto de ser chocante e algo pesado -, embora, como é óbvio, não consiga imaginar-me a viver no mundo que a autora criou. A história em si é bastante boa e muito criativa, para além de bem escrita e de ter uma narração muito interessante, especialmente nos segundo e terceiro livros. Não foi, no entanto, uma trilogia em que sentisse empatia pelas personagens; não que não estivessem bem construídas ou que não tivessem o seu interesse, mas não foi como ler outros livros, em que me identifiquei com personagens e em que tive aqueles crushes literários. Não sei porquê, mas não houve nenhuma que me tocasse especialmente. Para além disso, a história acabou por se "perder" um pouco perto do derradeiro final, com tudo a acontecer demasiado rápido - como disse, como se a autora quisesse despachar a coisa. E tive imensa pena que assim fosse, pois estava à espera de algo mais desenvolvido e algo mais "em grande".

A história no seu todo, no entanto, parece funcionar como um abre-olhos ou um abanão mental para aquilo que é importante, para as pequenas coisas da vida que, para nós, são tão banais e que, por isso, não lhes é dado o devido reconhecimento. E falo de coisas tão simples como conversar com alguém livremente ou ouvir as músicas que quisermos ou ler os livros que nos apeteçam. E até a questão da escolha, de escolhermos o nosso caminho e a pessoa que queremos ter ao nosso lado. E, claro, a questão do amor. É verdade que o amor é capaz de nos destruir por dentro. E que pode ser uma m*rda, por vezes. Mas amor não é só o amor romântico. Nem tão-pouco é só o amor que sentimos por outras pessoas, familiares ou amigos. É também a alegria de fazer certas coisas que nos deixam felizes, com o coração quentinho ou com um sorriso no rosto. Isto também é amor, e por isso considero que ler esta história me deu uma outra perspectiva. Porque curar-nos do amor seria também privar-nos destas coisas. Seria tornar-nos completamente apáticos, não apenas em relação às pessoas, mas também à vida em geral. E nós não seríamos nada se assim fosse. Não seríamos nada se não sentíssemos, simplesmente.

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