29/11/18

Coisas que mudaram em mim #3


O Verão passou a ser a estação de que menos gosto

Havia dois motivos para o Verão ser a minha estação do ano preferida. Um: era época de férias – daquelas férias mesmo grandes. Dois: era época de ir imensas vezes à praia, e eu costumava adorar praia.

Creio que foi na minha viagem a Amesterdão, que já tem uns anitos, que comecei a gostar mais das estações frias. Estive lá num mês de Setembro. Ora, ainda é Verão em Setembro, suposta e oficialmente. No entanto, em Amesterdão, parecia que o Inverno já se tinha instalado. Não sei se isto por lá é normal nessa altura do ano ou se foi uma excepção e eu tive azar no que toca ao estado do tempo, mas estava mesmo imenso frio para meados de Setembro.

Não me queixei do frio nem do mau tempo, e apenas lamentei o facto de não ter levado roupa mais quente. Este imprevisto não fez com que não aproveitasse ou não gostasse da viagem, muito pelo contrário. Aliás, foi precisamente nestes dias que notei um certo encanto no facto de estar frio.

As pessoas não se importavam com o frio ou com a chuva. Andavam nas suas bicicletas como se nada fosse; como se o dia estivesse “normal”. E faziam-no com os seus longos sobretudos, com os seus cachecóis grossos e quentinhos, com os seus gorros. Achei tão elegante ver os locais assim, a andar de bicicleta com as suas roupas quentes de Inverno; foi como se, para mim, aquele tipo de roupa, que eu costumava não gostar por me deixar agoniada e por mal me conseguir mexer tais eram as camadas de tecido por cima de mim, se tornasse mais bonita. E elegante, e citadina, e quase como que “chique”.

Mas não foi apenas isso. O frio pedia espaços quentes, e cafés acolhedores, e bebidas quentes a aquecerem-nos as mãos. Já há muito tempo que sou apreciadora de chá e das mais variadas bebidas quentes com café, tanto que as prefiro – de longe – às bebidas frias, sejam elas típicas do Verão ou não. Soube-me tão bem ter um copo de cappuccino nas mãos enquanto esperava na fila para entrar no museu Van Gogh, ou tomar um chocolate quente assim que entrava no hostel, ou passar um tempinho entre visitas num café, abrigada da chuva e protegida contra o frio.

Os meus dois últimos Verões foram os piores que já tive. Acho que isso fez com que deixasse de gostar dessa estação. Cansei-me demasiado do calor, da claridade ofuscante e dos dias longos demais.

Considerando isto e os meus gostos pessoais, cheguei à conclusão de que as restantes estações do ano têm mais a ver comigo. No Verão, agrada-me não ter que pensar muito naquilo que vou vestir e que possa pôr apenas um vestidinho ou um macacão simples – felizmente não tenho complexos nenhuns no que toca ao corpo –, mas acho a roupa do tempo mais frio bem mais bonita e elegante, tanto que recentemente descobri a minha adoração pelos casacos de Inverno. O bom tempo e o calor sabem bem, e, com eles, um passeio pela natureza ou por algum lugar desconhecido ou uma tarde na esplanada, mas o calor em demasia é sufocante, e os próprios dias de sol radioso, quando muito frequentes e a seguir uns aos outros, acabam por me cansar. Nos dias mais frios, agradam-me os dias de chuva em que posso ficar em casa, pois a própria chuva convida-nos a ficar em casa. E, com isto, vêm as maratonas de episódios, as tardes ou os serões de filmes, a leitura compulsiva no sofá. Estas coisas não me sabem assim tão bem no Verão, porque o sol e o calor parecem “obrigar-me” a sair de casa para aproveitar o ar livre. Para além disso, quando os dias estão mais frios, tudo isto vem com o bónus delicioso de ser acompanhado por uma manta e uma grande caneca de chá bem quente. Como se estas coisas não bastassem, ainda existem os cafés acolhedores, tão aconchegantes e convidativos nesta altura do ano, nos quais sou capaz de perder horas, tanto acompanhada, quanto sozinha. Tomar uma bebida quente num espaço destes – preferencialmente com algo doce a acompanhar – aquece-me o coração, e não apenas por as bebidas serem deliciosas.

Para além de tudo isto, ainda há as mudanças na paisagem. Uma coisa que eu não noto, e que até me entristece, no lugar onde vivo, é precisamente isto, as alterações. Parece que tive que partir em viagens para notar, admirar e maravilhar-me com a mudança das estações na sua plenitude. Estive no Canadá numa Primavera e vi as árvores repletas de flores – as chamadas cherry blossoms. Estive, ainda há pouco tempo, por Lisboa e pelo Porto e foi raro não ver uma árvore que não tivesse folhas vermelhas, alaranjadas ou douradas, bem como não vê-las pelo chão. Já quando vivi no Porto não pude deixar de notar este tipo de mudanças; havia sempre árvores ao longo do caminho que fazia a pé, pelo que era impossível não reparar.

Mas é demasiado estranho eu viver numa terra repleta de árvores e não ser capaz de notar nada de diferente. Parece que se mantêm sempre verdes, como se o tempo não passasse por elas, não passasse por aqui. Eu apenas tinha consciência da mudança das estações e do próprio passar do tempo devido às mudanças na temperatura e ao número de horas de luz solar diárias. Agora que escrevo isto, para além de estar a sentir que isto é demasiado estranho e algo estúpido, pergunto-me se não terei andado a dormir durante estes anos todos, completamente fechada e alheia ao mundo em redor. Se assim foi, perdi demasiado. Mas acho que nunca é tarde para acordar.

Por isso, embora continue a gostar do sol e de algum calorzinho para poder aproveitar o ar livre, os longos passeios, a natureza, as esplanadas e as sombras das árvores, consigo admitir, finalmente, que as estações mais frias têm o seu encanto. Agora, só me falta ir à neve.

1 comentário:

  1. "Cansei-me demasiado do calor, da claridade ofuscante e dos dias longos demais."
    Costumo dizer isto :)
    Compreendo-te perfeitamente. Tudo é bom mas sem exageros, e passear até sabe melhor no Outono, aquele Outono com um Sol a espreitar
    Gostei do teu texto
    Convido-te a ler o novo Capítulo de Um Oceano entre nós - II. Espero que gostes.
    Beijinho grande

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