Pus
de parte a ideia de querer viver noutra cidade
Passei
três anos e meio entre o Porto e a cidade onde vivo, nos Açores.
Três anos e meio em que só vinha a casa na altura das férias,
passando a maior parte do tempo lá no Porto. Claro que comecei a
habituar-me a estar lá. Era tudo tão diferente, via imensos
aspectos positivos em viver lá e já não me imaginava a regressar a
casa definitivamente, por muito que gostasse de voltar para passar
férias.
Regressei
para fazer o estágio curricular, depois continuei por cá por ter
encontrado um estágio profissional, e assim fui ficando. A
princípio, foi como que um choque. Parecia que já não me sentia
tão livre. Rapidamente, comecei a sentir falta das coisas que tinha
lá fora e que não tenho aqui. Com isto, não me refiro apenas à
questão de viver por minha conta. Senti falta, por exemplo, de ir a
grandes eventos e de ter a possibilidade de ir passear e de ir
conhecer tantos sítios diferentes no meu tempo livre. Senti que, se
estivesse lá fora, podia já ter conhecido tantas cidades noutros
países, pois é tudo tão mais acessível a partir de lá.
Comecei
mesmo a detestar viver aqui nos Açores, sentindo-me arrependida de
não ter procurado estágios lá no Porto ou mesmo noutra cidade e
desejando uma oportunidade para sair daqui sem olhar para trás.
Sentia-me tão presa, tão limitada. Mas, ainda assim, fui ficando.
A
verdade é que tudo é uma questão de hábito, e, tal como me
habituei a viver no Porto e a passar três anos e meio entre cá e
lá, também acabei por me habituar a viver aqui.
Penso
que foram umas viagens que fiz a Lisboa que me fizeram mudar de
ideias. Não estas mais recentes, mas antes dessas. Apesar de já ter
ido a Lisboa tantas vezes, essas viagens esgotaram-me. Deixaram-me
exausta e com a cabeça numa confusão. Porque tudo parecia ser um
stress. Comecei a notar o quanto as pessoas andam apressadas. Sem
pararem para observar nada, sem olharem em volta, sem sequer
abrandarem o passo. Sempre a correr, sempre num frenesim. Sempre
focadas no seu destino e em chegar lá o mais depressa possível. É
um ritmo completamente diferente, que eu nunca tive. Nem sequer
quando vivi no Porto. Mesmo lá, vivi nas calmas.
Passei
a detestar a confusão, as multidões, os transportes. O tempo
perdido em transportes. Pensei em como andava tão pouco de
carro para ir de casa para o trabalho e vice-versa, em como não
existiam aquelas filas de trânsito intermináveis. Pensei em como
podia ir à praia ou à esplanada depois do trabalho, uma vez que
conseguia pôr-me lá em dez minutos. Pensei em como não podia fazer
este tipo de coisas, que acho tão simples e normais, caso vivesse
num ritmo tão stressante e tão apressado, em que tudo é tão longe
e em que se perdem horas de vida em transportes, sejam eles públicos
ou não.
De
repente apercebi-me e dei valor à questão da qualidade de vida que
dizem existir aqui onde vivo. O ritmo e o tipo de vida das grandes
cidades começou, de súbito, a desencantar-me, para passar a ser uma
grande confusão e algo esgotante e que me põe os níveis de stress
em alta. Agora digo que não quero esse ritmo e esse tipo de vida
para mim. Não quando posso pôr-me em qualquer lado rapidamente,
onde o trânsito infernal não existe, onde posso viver e caminhar
nas calmas e onde tenho tanto o mar como a natureza tão perto de
mim.
É
verdade que tudo não deixa de ser uma questão de hábito e que eu,
se tivesse mesmo que viver numa grande cidade, acabaria por me
habituar, eventualmente. Mas também tenho a possibilidade de
escolher, para além de que estou a aprender a escolher o meu
bem-estar acima de tudo. E, hoje, sinto-me bem aqui.
Claro
que não deixa de ter as suas desvantagens. Ainda sinto falta de
grandes eventos e de bons seminários e fico sem saber para onde ir
aos fins-de-semana, por achar, ainda que erradamente, que já visitei
tudo quanto havia para visitar – afinal, vivo numa ilha; não tenho
para onde fugir. E também me entristece o facto de não poder ir
para um outro país com tanta facilidade, devido à falta de voos
directos.
No
entanto, existe uma coisa que não é fácil de encontrar noutro
lugar: a tal qualidade de vida. Que, para mim, acabou por se tornar
crucial e impagável. Há quem me ache tola por não aproveitar para
recomeçar em qualquer outro lugar, mas, por enquanto, e se não
surgir nada em contrário, permanecerei aqui. Duvido que encontrasse
algum outro sítio onde me sentisse tão bem.
Para
além disso, não deixo de poder ter o melhor dos dois mundos. Se
puder ter aqui a tão desejada qualidade de vida e ainda ter a
possibilidade de ir lá fora de vez em quando, a algum evento ou de
férias para qualquer lado, então por que não?