24/02/19

Escrever


Costumava escrever sem parar.

Escrevia sem parar quando ligava o computador e acedia ao Blogger. Escrevia no meu blog – no antigo – e escrevia quando comentava as publicações de outros bloggers, cujos blogs gostava de acompanhar porque o seu conteúdo me agradava, porque gostava mesmo de os ler. Ler essas publicações, deixar um comentário nalgumas delas e escrever as minhas próprias publicações era das coisas que mais gostava de fazer depois de chegar a casa da faculdade. Relaxava-me e distraía-me depois de um dia preenchido.

Também escrevia sem parar fora do Blogger. Escrevia as minhas histórias, aquilo a que chamava de "os meus livros". Era o meu passatempo preferido, e, atrevo-me a dizer, uma das minhas paixões. Publicar essas histórias em formato de livro e ser escritora a tempo inteiro era aquilo que mais queria. Era o meu maior sonho, por mais absurdo, ridículo, infantil e impossível que possa parecer. Estava disposta a tanto para o conseguir.

Agora...bem, agora é estranho.



Deixei de escrever. Deixei de tocar nas minhas histórias no final de 2016, quando a vida deu uma negra reviravolta e tudo começou a piorar, incluindo a minha visão de mim mesma, da vida e do mundo. Fui-me abaixo. Tão abaixo, a ponto de não conseguir escrever e de não encontrar alegria nisso. Também o meu blog começou a ficar ao abandono, mas, nele, ainda toquei algumas vezes, pois usava-o como uma espécie de ferramenta, um meio para expressar – ou para tentar expressar – aquilo que me ia na alma e alguns dos meus pensamentos mais profundos.

Com o tempo e com um grande esforço e uma enorme força da minha parte, as coisas começaram a melhorar, embora muito devagarinho. Nessa altura, criei este blog e abandonei, de vez, o antigo. E criei-o porque, inesperadamente e contra todas as possibilidades, a antiga pseudo-blogger que havia em mim recomeçou a despertar. Regressou aquela necessidade de escrever sobre as coisas boas e de que gostava. De partilhar através de textos longos e detalhados. De expressar desejos e sonhos através da escrita. Para mim, não há melhor plataforma do que o Blogger para isso.

Curiosamente, no entanto, a vontade de escrever histórias ou de voltar a pegar nas que já tinha escrito para melhorá-las ou para lhes dar continuidade, não regressou.

Acho que acabara por desistir, no fundo. Acho que apenas quem passa pelo processo de escrever – ou de tentar escrever – algo semelhante a um livro entende, para além da alegria e entusiasmo que proporciona, o quanto pode ser penoso, moroso, lento, solitário e, até, algo frustrante. É um processo que dura meses, ou até mesmo mais do que um ano, e que, no fim, pode não vir a ter qualquer reconhecimento.

Não havia muitas pessoas dispostas a ler o que escrevia. Não há, até, muitas pessoas que gostem de ler – cada vez existem menos, na verdade. Mas, mesmo entre quem realmente gosta de ler, não é qualquer pessoa que se dispõe a ler um “rascunho”, uma coisa não profissional. Assim como não é qualquer pessoa que é capaz de dar uma opinião sincera, ou dar sugestões de melhoria, ou fazer uma crítica construtiva. Por acaso, e nem sei bem como o consegui, tive duas pessoas que o fizeram, duas leitoras e críticas que me ajudaram muito e que me motivaram a continuar.

Mas, depois, torna-se frustrante. Publicar textos online e não ter nenhum feedback é frustrante e desanimador. Entrar em contacto com editoras e não receber qualquer resposta, nem sequer um não, é igualmente frustrante, e leva-me a perguntar-me se realmente escrevi alguma coisa de jeito, alguma coisa digna de ser lida e de ser transformada num livro.

Acho que comecei a dedicar-me mais ao desenho e a deixar a escrita um pouco para trás porque o desenho traz resultados e reacções bem mais imediatos. Um desenho demora horas ou dias a fazer, e não meses – bom, depende, mas, regra geral... Desenhar é uma actividade bem menos solitária, porque ao menos posso ter música como companhia, ao passo que, para escrever, preciso de silêncio quase absoluto para me concentrar. Um desenho é algo visual, que provoca uma reacção quase imediata no momento em que é visto. Já com a escrita, a pessoa tem que ter o seu tempo para ler, tem que ler com atenção, pode ter a necessidade de reler, e não é qualquer texto que provoca uma reacção. Mais uma vez digo que nem toda a gente está disposta a isto, pois nem toda a gente gosta de ler e nem toda a gente gosta ou tem paciência para ler textos, longos ou não, em computador. A mim parece-me que o desenho é mais “acessível” e “abrangente”. Desenhos podem virar peças de decoração, podem eles próprios decorar uma parede, podem estar presentes em capas de cadernos ou em outros objectos. E os livros? Apenas existem em casas de quem gosta de ler, e apenas são adquiridos por esse mesmo grupo restrito de pessoas.

Todas estas razões fizeram com que abandonasse a escrita. No entanto, tenho lido muito mais, e tenho tido certas conversas com certas pessoas que parecem fazer festinhas ao bichinho da escrita adormecido dentro de mim, incitando-o a acordar. Uma dessas conversas teve o resultado mais estranho e inesperado: fez com que a minha imaginação criasse, assim de repente, uma pequena história, um ponto de partida para uma outra história que já criara.

Ora, é-me muito difícil ter uma ideia na cabeça e não passá-la para o papel. Enquanto não a ponho cá para fora, ela fica sempre ali, à espreita, à espera do momento de saltar para o mundo real.

E depois penso e começo a ponderar. Penso em como tenho tempo livre, nem que seja à noite, depois do trabalho, em que raramente faço algo de produtivo. Penso em como, agora, sou uma pessoa diferente. Em como cresci e amadureci. Em como podia usar isso e aquela fase depressiva – se bem que não gosto de lhe chamar de “fase”, pois, dito assim, parece que não teve importância – pela qual passei como uma vantagem. Há experiências que nos moldam e que nos transformam, que nos ensinam lições poderosas, que nos fazem crescer e nos tornam fortes. É provável que todas estas coisas me façam escrever, agora, de uma outra maneira, de uma maneira melhor.

Mas não sei. Não sei se voltar a escrever será como que “doloroso”; não sei se terei a mesma força de vontade para escrever uma espécie de livro do início ao fim. Para além de que, muito possivelmente, será novamente frustrante. E solitário. E moroso.

Por vezes, queria tentar voltar a escrever, apesar de não saber se ainda gosto tanto de o fazer como dantes. Mas, por outro lado, às vezes preferia que o bichinho da escrita continuasse adormecido e quietinho no seu canto.

1 comentário:

  1. Revejo-me um pouco neste texto. Eu escrevia muito. Publicava até histórias que eu própria criava no Wattpad. Mas desde que tive a depressão deixei de escrever. As coisas foram melhorando, como é óbvio, mas acho que nunca consegui voltar àquela rotina. Parece que a motivação vai escapando. Mas como dizes, há sempre outras coisas que encontramos para compensar!

    ResponderEliminar