Havia
cinco coisas das quais realmente gostava no meu trabalho:
- a distância da minha casa até lá – bastava apanhar a via rápida e punha-me lá nuns cinco minutos, pelo que não precisava de acordar tão cedo;
- a “hora do café” - ou seja, o lanche da manhã que era tipo “regra” da empresa e que eu achei uma óptima iniciativa logo no meu primeiro dia, não só porque nos era permitido fazer uma pausa e conviver um pouco, como também por razões óbvias: a fome aperta entre o pequeno-almoço e o almoço, pelo menos comigo;
- o facto de não estar sempre sentada a uma secretária – o meu trabalho era tão vasto, que, para além de trabalho de secretária, também andava imenso de um lado para o outro (havendo, até, dias em que nem sequer conseguia sentar-me à secretária), e eu até gostava, pois acabo por ficar cansada e desconfortável quando passo muito tempo sentada;
- os almoços oferecidos – uma vez que se tratava de uma empresa de restauração, eram os próprios funcionários que faziam o almoço para todos, todos os dias, pelo que não precisava de me preocupar em trazer uma marmita de casa com comida;
- os meus colegas – apesar de haver dias em que não suportava o barulho e a aparente boa-disposição de toda a gente, fui super bem recebida desde o início e toda a gente foi bastante acessível e simpática comigo, tentaram integrar-me e ajudaram-me e colaboraram comigo quando precisei. Até fiz amigos.
No
entanto, havia mais coisas más do que boas. De repente, deixei de
ser estagiária e vi tudo a mudar abruptamente. De repente, começaram
a empurrar, para mim, trabalho que ninguém queria e/ou tinha
paciência para fazer. De repente, fiquei com o trabalho das duas
estagiárias que se foram embora quase ao mesmo tempo. De repente,
deixei de ter fins-de-semana para passar a ter apenas dia e meio de
folga. De repente, já não tinha hora certa para sair do trabalho.
De repente, senti-me sem amigos ali dentro. De repente, estava a
receber uma miséria para uma licenciada que, para além dos
trabalhos da treta que era obrigada a fazer, fazia trabalhos na sua
área de formação.
E,
de repente, comecei a questionar todo o meu percurso, a sentir-me
rebaixada e desvalorizada, a irritar-me com tudo e com nada e a
sentir-me extremamente infeliz, por estes motivos e por outros. O
stress começou a levar a melhor. A desmotivação deu-lhe a mão. E,
apesar disso, sentia que estava a viver para o trabalho. Isto porque
o meu tempo livre diminuiu consideravelmente, tanto devido a horas
extra, como devido à falta de dois dias de folga, e porque me
preocupava demasiado e queria fazer tudo certinho. Todos os dias,
tive que fazer um esforço gigantesco e colocar uma máscara
espectacular para mostrar que estava tudo bem, tudo normal, tudo “na
boa”. Contudo, e por um ou outro motivo – ou mesmo sem razão
aparente, por vezes –, esse esforço caía por terra e essa máscara
estilhaçava-se. Passei a sentir-me mal naquele lugar, tendo passado
vários dias, seguidos ou não, calada, isolada, triste e cabisbaixa.
Nunca quis falar com ninguém, por vergonha e por achar que ninguém,
interno ou externo à empresa, me pudesse compreender ou ajudar.
Mas
também não queria ficar sem fazer nada. Habituei-me a estar ocupada
e a ganhar o meu dinheiro, e esses aspectos quase me fizeram mudar de
ideias quando pensei em sair da empresa. No entanto, ao voltar a
reflectir, cheguei à mesma conclusão, a principal razão que tinha
feito com que decidisse sair: mais importante do que o dinheiro ou o
facto de ter algo com que nos ocuparmos, é o nosso bem-estar. É a
nossa saúde. Infelizmente, parece que ainda há muita gente que
descura a saúde mental e que não vê as perturbações da nossa
própria mente como verdadeiras doenças – verdadeiros venenos, na
verdade.
As
pessoas não compreenderão as razões que me fizeram sair, a menos
que também já tenham passado por algo do género ou a menos que
sejam pessoas que valorizem o bem-estar psicológico e dêem
importância à questão de nos sentirmos bem no nosso local de
trabalho. Nem eu espero que compreendam, embora tal seja um bocado
frustrante. Frustrante no sentido de não me apoiarem e de eu própria
não me conseguir explicar. Ao tentar explicar-me, parece que se
tratavam de probleminhas sem importância. De fitas. De coisas a que eu acabaria por me habituar. De mudanças consideradas normais.
Mas
não interessa explicar-me, e isso de nada serve, quando só eu sei o
que se passava e só eu sabia como me sentia. De uma maneira muito
resumida, resolvi apenas livrar-me do que me fazia mal. Mesmo que
isso não faça sentido para a maioria.
Há
aquelas frases feitas que dizem que devemos deixar para trás o que
nos faz mal e que fazer isso é um acto de coragem. E há outras que
dizem que fazer algo mesmo com medo também é um acto de coragem.
Não sei se será de coragem ou de algo mais próximo à imprudência.
Um risco demasiado elevado. Acho que não me faria nada bem se
continuasse no mesmo lugar, a submeter-me constantemente à pressão,
à mágoa, à dor e à tristeza e a afogar-me nas porcarias que a
minha mente criava. Continuar seria perpetuar o meu mal-estar e a
minha infelicidade, e, se o fizesse, podia ser que acabasse por me
acostumar, a ponto de me conformar e de não procurar uma mudança.
Mas, neste momento, sinto-me confusa, perdida e desamparada. A última
coisa que sinto, de facto, é que fui corajosa.
Por vezes são precisas mudanças ;) Boa sorte!
ResponderEliminarSinto muitas das coisas de que falas, que o meu trabalho afecta a minha saúde mental, que sou mal pago para os estudos que pago, que esperam que faça tudo certo e me criticam pela mais pequena coisa que aparece mal feita, que empurram para mim o "cuidar" dos estagiários que acabam por equivaler a outro trabalho.... mas assim como tu também gosto de ter a minha independência financeira, de ir a uma loja e comprar o que quero, a saber que no final do mês o dinheiro voltará a entrar...
ResponderEliminarGostava de ter a tua coragem para sair e procurar algo melhor mas fiquei demasiado traumatizado pela temporada que passei em casa quando acabei os estudos. E nas pausas invernais que fiz enquanto trabalhava as entrevistas de trabalho que tive só me provaram que durante aqueles anos todos as coisas não mudaram em nada no que toca à precariedade do mercado de trabalho.
"mais importante do que o dinheiro ou o facto de ter algo com que nos ocuparmos, é o nosso bem-estar. É a nossa saúde." Eis a razão pela qual também não aceitei uma proposta no meu local de estágio.
ResponderEliminarO mercado de trabalho é assustador, mas nós somos novos e esta é a altura certa para arriscar. 😉
Boa sorte!
É impressionante como as coisas mudam tão depressa. Parecia ser uma empresa espetacular, mas depressa começa a tornar-se penoso para ti trabalhar lá.
ResponderEliminarAs pessoas não têm que compreender os motivos que te fizeram sair. Tu fizeste aquilo que é melhor para ti. Não há dinheiro neste mundo que compense estar num trabalho que te pressiona, que te isola das tuas pessoas, que te esgota e que não te deixa tempo para ti. Mereces estar num sítio que seja gratificante e que te faça sentir realizada profissionalmente. Foste corajosa em abandonar o certo pelo incerto, para procurares ser mais feliz.Espero que consigas encontrar algo melhor, boa sorte :).
Beijinhos
Blog: Life of Cherry
"E, apesar disso, sentia que estava a viver para o trabalho" isto é a piro coisa... :/ fizeste o que achaste melhor e é isso que importa, não te sintas mal por isso :) boa sorte, nunca percas a esperança!
ResponderEliminarPercebo as tuas dúvidas na tua decisão mas como já te disse acho que fizeste bem. Às vezes fazemos as coisas como a sociedade diz e nunca paramos para perceber o que queremos ou é melhor para nós. Vais chegar lá no teu tempo!
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