27/07/18

Culpada


Estou, de momento, a ler O Herói das Eras, o último livro da saga Mistborn – que é absolutamente fantástica e cuja review, já estou a ver, vou adorar escrever. Ainda esta semana, deparei-me com uma passagem linda a propósito do que escrevi na última publicação. Linda porque achei incrível esbarrar-me com uma passagem de um livro que parece descrever a minha vida neste ponto.

- Na verdade, Lorde Brisa – disse Sazed – eu sinto-me algo culpado.
Brisa revirou os olhos.
- Sazed. Terá sempre que se sentir culpado com alguma coisa? (…) Não me quer dizer exactamente por que motivo se há-de sentir culpado por estudar, entre todas as coisas?
- Porque gosto.
- Isso é maravilhoso, meu caro – disse Brisa. – Porquê ficar envergonhado com esse gosto?
(…)
- Sinto-me feliz por poder simplesmente sentar-me a ler, sem ter de estar ao comando. É por isso que me sinto culpado. (…) Não seria isto que Tindwyl teria querido de mim.
(…)
- Seria isto o que ela quereria de si, Sazed? – disse Brisa. – Negar o que é? (…) Um homem é aquilo por que tem paixão. (…) Descobri que se abdicamos daquilo que mais queremos em prol do que julgamos que devíamos querer mais, acabamos infelizes.
- E se o que eu quero não for aquilo de que a sociedade necessita? – disse Sazed. – Por vezes temos simplesmente de fazer coisas de que não gostamos. Esse é um simples facto da vida, julgo eu.
Brisa encolheu os ombros.
- Eu não me preocupo com isso. Limito-me a fazer o que faço bem.

Assim que li isto, revi-me no Sazed. Sinto-me culpada. Não estou a fazer o que esperariam de mim. Concordo com o facto de termos que fazer coisas de que não gostamos.

Mas vamos por partes.

Aquilo que todos esperam de mim é que eu arranje um novo emprego. Eu sei que tenho que arranjar um novo emprego. Eu quero arranjar um novo emprego. No entanto, também quero tentar conhecer-me, perceber do que gosto e o que quero fazer. Não apenas em termos de trabalho, mas o que quero da vida em geral – já me disseram se, se tentar imaginar o que quero daqui a X anos, então saberei o que quero e o que posso fazer agora para lá chegar. Essas preocupações assombram-me todos os dias, e, todos os dias, é como se me sentisse algo “culpada” por não ter uma resposta e por não saber o que quero.

Num destes dias, sem nada para fazer, pus-me a ver um vídeo no Instagram. Acreditem quando vos digo que nunca vejo vídeos. Nem sei o que me deu para ver um vídeo, tão-pouco aquele vídeo específico, mas, ao vê-lo, houve um clique na minha cabeça. Houve um É isto. Vou fazer isto. Houve uma motivação – o que não deixa de ter graça, porque este era mesmo o tema do vídeo. E sim, sei que isto parece uma parvoíce.

Mas foi isto. Entusiasmei-me com algo. Pesquisei sobre esse algo e ganhei vontade de aprender sobre esse algo. Até o transformei num projecto na minha cabeça. Foi como aconteceu com o Sazed; ele estava a passar por uma depressão após a morte de alguém que lhe marcou muito, e, desde aí, perdeu o interesse e o entusiasmo pelas coisas que o apaixonaram outrora – semelhante ao que aconteceu comigo, na verdade. Mas, tal como o Sazed, também me sinto culpada por estar entusiasmada com algo e por querer começar algo novo, quando não é bem isto que esperam de mim e quando não é isto que eu, supostamente, devia estar a fazer. Porque eu devia estar a procurar emprego.

Ao mesmo tempo, no entanto...será assim tão errado adiar a procura de emprego para que invista em algo que me entusiasma? Para que invista em mim? Especialmente tendo em conta que a grande diferença entre eu estar ou não empregada prende-se com o simples facto de eu passar mais tempo em casa do que fora? É que, tirando isso, eu continuo a tratar das minhas despesas; a pagar a gasolina do meu carro, a pagar pelas minhas lentes de contacto, a pagar pelos seminários e pequenos cursos em que penso participar, a pagar por uma ou outra coisa que queira comprar para mim – mas, no que toca a este último ponto, vou começar a reduzir nos gastos supérfluos. É mau e estranho não ver dinheiro a cair na minha conta bancária por uns tempos, mas ainda me restam algumas poupanças. Por isso, mais uma vez, será isto assim tão errado? Será que temos que fazer tudo à pressa? Sair de um emprego e andar feita doida à procura de outro como se não houvesse amanhã? Sem parar um pouco para pensar? Será assim tão errado parar, desligar um pouco da “vida de adulto” e do “mundo real” e...pensar? Tentar conhecer-nos e saber os nossos sonhos e objectivos?

Não sei, mas parece que isto não faz sentido para a sociedade em geral. A sociedade em geral gosta de ver pessoas a estudar e/ou a trabalhar. O meio-termo não existe. A sociedade não gosta de ver pessoas “paradas”, mas depois admira-se de ver pessoas infelizes, que parecem fazer tudo de forma mecânica e automática sem qualquer motivação e que têm que depender de drogas – sejam elas antidepressivos ou outra coisa qualquer – para conseguirem seguir em frente e aguentar mais um dia.

Para além de tudo isto, outro aspecto devido ao qual me revejo nesta personagem é que ela, o Sazed, precisou de um empurrão para voltar a entusiasmar-se com os estudos. Precisou de se ver forçado a estudar novamente, mas a estudar algo diferente daquilo a que estava habituado. Penso que também esta situação se pode aplicar a mim. Talvez eu também precise de um empurrão. Talvez precise de regressar a seminários e a pequenos cursos para me relembrar de como o mundo da nutrição – área em que me licenciei – pode ser bonito.

Porque, tal como eu disse, tenho que ser responsável por me ter licenciado e arcar com as consequências disto. Para ser sincera, é inevitável, quando vou aos sites de emprego, não procurar automaticamente por empregos na minha área. Em paralelo, existe o novo “algo” que me entusiasmou. Tanto pode como pode não resultar; só sei que, se não tentar, se não aprender e se não me dedicar, nunca saberei. Na verdade, sempre achei que podia ter um emprego na área em que me licenciei e, em paralelo, dedicar-me a um hobby. E, depois, se puder fazer desse hobby a minha vida profissional, ter-me-á saído a sorte grande e poderei, finalmente, dizer que faço aquilo de que gosto. E poderei ter mudado de vida.


PS: Quanto à questão de ser escritora, nem sei bem se ainda tenho esse sonho. Talvez também precise de um empurrão a esse nível. Mas não agora. Gostava muito de regressar aos meus projectos literários, mas sinto que este ainda não é o momento. Por enquanto, tenho outras ideias em mente – e, para ser honesta, outras prioridades.

3 comentários:

  1. "Na verdade, sempre achei que podia ter um emprego na área em que me licenciei e, em paralelo, dedicar-me a um hobby. E, depois, se puder fazer desse hobby a minha vida profissional, ter-me-á saído a sorte grande e poderei, finalmente, dizer que faço aquilo de que gosto. E poderei ter mudado de vida." é isto, raquel!!! :) pensa em ti aos 60 anos, a olhares para trás e a pensares que não fizeste isto ou aquilo porque "não é o que a sociedade precisa" ou porque as pessoas dizem que tens é de arranjar um emprego. é triste... :/ mesmo que os teus planos não corram da melhor forma, vale SEMPRE a pena tentar, sempre sempre sempre!! mantém a cabeça no lugar, vê o que tens de fazer, quais os prós e os contras, quais os riscos que corres!! claro que é tudo muito bonito mandares-te à jaula dos leões sem medos mas tens de arranjar uma forma de não seres comida por eles! e depois avança sem olhares para trás nem pensares no que pode correr mal!! eu estou aqui a dar-te toda a força do mundo!

    r: owww!! obrigada! <3

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  2. A pressão que temos por causa do que é suposto fazermos ou do lugar onde devemos estar com X idade é de loucos. Acho que muitas vezes não temos essa noção até estarmos numa situação como a tua ou nos começarem a dizer ou perguntar sobre algumas coisas (então quando sais de casa?", "então e casar?" "E filhos?"). Vai tentando coisas, experimentando outras. Não penses no que os outros esperam de ti por mais difícil que seja.

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